Pedrinha de gelo com cara de pepita de ouro

fev 4, 2020 by

As grandes operadoras (Oi, Vivo e Claro) continuam mirando na apropriação dos bens reversíveis, leia-se bens públicos. Meu, seu, nosso, da sociedade brasileira. Primeiro conseguiram a aprovação da Lei 13.879/19, garantindo a elas a transformação das concessões em autorizações. Agora buscam vozes no mercado para desvalorizar os bens públicos.

Esse é o caso da entrevista de Juarez Quadros, ex-presidente da Anatel e ex-ministro das Comunicações, hoje “consultor”. Segundo ele, a União terá que pagar pelos bens reversíveis.

Estranhamos essa afirmação. No dia 8/5/2018, em Audiência Pública promovida pela Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia para discutir o PLC 79, então presidente da Anatel, Juarez Quadros afirmou que, em nove meses, a partir da sanção presidencial ao projeto de lei que alteraria o marco legal do STFC (PLC 79), a agência teria condições de fazer o levantamento do “valor real” dos bens reversíveis. Como agora, quando o cálculo sequer foi feito, ele diz que a União terá que indenizar? Cadê o cálculo?

Diz mais: “Essa montanha de gelo [dos bens reversíveis] vai virar em 2025 uma pedrinha de gelo que não vai valer mais nada”. Conclusão que ele diz ter chegado com base na Lei Geral de Telecomunicações, artigos 102 e 112, e na insegurança jurídica.

Vamos aos artigos citados:

1) Art. 102. A extinção da concessão transmitirá automaticamente à União a posse dos bens reversíveis.

Parágrafo único. A reversão dos bens, antes de expirado o prazo contratual, importará pagamento de indenização pelas parcelas de investimentos a eles vinculados, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

Quadros não falou do caput, apenas se referiu ao parágrafo. “Esquece” ele que o Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão nº 2142/2019, foi exaustivo ao definir como deve ser feito o cálculo dos bens reversíveis. “A interpretação conjunta dos dispositivos contratuais, do art. 102, caput e § único, da LGT e do art. 37, XXI, e da CF/1988 conduz ao entendimento de que, caso a concessão se extinga no prazo pactuado, não caberá indenização por bens reversíveis, salvo na hipótese de a concessionária ter realizado, com autorização prévia da Anatel, investimentos não previstos, para garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido, que, por qualquer razão, não possam ser integralmente amortizados por meio da exploração do serviço concedido e, ao final da concessão, não estejam completamente “depreciados”.

Como o senhor Quadros conclui que a União terá que pagar às concessionárias sem o cálculo ter sido realizado? Por que o cálculo não pode ser favorável à União? Por que o açodamento em favorecer às concessionárias?

b) Art. 112. A concessão extinguir-se-á por advento do termo contratual, encampação, caducidade, rescisão e anulação.

Parágrafo único. A extinção devolve à União os direitos e deveres relativos à prestação do serviço.

Voltemos ao Acórdão: “A indenização pela reversão de bens reversíveis está vedada nas hipóteses de rescisão amigável e judicial, por força da cláusula 27.1, IV, dos contratos de concessão, como observa a agência recorrente. Contudo, é possível, nas demais hipóteses de extinção do contrato antes ao término do prazo avençado: encampação, caducidade e anulação (incisos II, III, e V, da cláusula 27.1)”.

No que esse artigo dá base para Quadros falar em indenização da União às atuais concessionárias?

Por fim, a insegurança jurídica. Como já afirmamos, estamos alinhados com o posicionamento do TCU. Se o relatório do conselheiro Emmanoel Campelo for aprovado, a Coalizão Direitos na Rede, da qual o Instituto Telecom e o Clube de Engenharia fazem parte, irá à Justiça contra a Anatel. O cálculo dos bens reversíveis apontado pelo TCU tem que ser respeitado. Não se trata de insegurança jurídica, mas sim respeito aos preceitos constitucionais.

Instituto Telecom, Terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

 

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