O acordão do STFC: quem paga somos nós
Bens reversíveis, mal acompanhados e mal avaliados inviabilizam expansão da internet no país.
Uma articulação envolvendo o Tribunal de Contas da União (TCU), Anatel, Ministério das Comunicações e Operadoras de Telecomunicações que visa pôr fim às concessões do serviço de telefonia fixa (STFC) vem sendo desenvolvida. Com isso, todo o patrimônio nacional das redes de telecomunicações deste serviço, ditos bens reversíveis, construído em décadas de implantação, seria repassado para as operadoras privadas, e adicionalmente se prestaria ao objetivo de livrar a Oi de uma situação de profunda fragilidade econômico-financeira. E quem pagará a conta será a União (Acórdão 516/2023 do TCU).
Tudo se passa depois das constatações de avaliação a menor desses bens reversíveis, que seriam repassados às prestadoras de serviços no término das concessões do STFC, com premissas francamente favoráveis às ,operadoras e seguindo uma norma de consenso recém estabelecida pelo TCU (Instrução Normativa nº9 de dezembro de 2022).
Para se ter uma ideia, sem nenhuma justificativa plausível, foi considerada com valor residual zero a infraestrutura de telecomunicações existente em todo território nacional, atualmente sendo utilizada pelas operadoras, constituída de cabos de cobre, cabos coaxiais, fibras óticas, dutos, equipamentos de comutação, equipamentos de transmissão, equipamentos de energia, equipamentos terminais, hardwares e softwares, que compõem backbone, backhauls e última milha de acesso dos usuários do serviço. E ainda, milhares de prédios, terrenos, postes, torres e veículos tiveram avaliações questionáveis (Acórdão acima). Todo este acervo de equipamentos e ativos, que por obrigações contratuais deveriam se encontrar sempre atualizados, geram receitas líquidas de dezenas de bilhões de reais anuais (Consultoria Teleco), correspondentes aos milhões de usuários domiciliares e empresas, e que se bem administrados manteriam com tranquilidade uma operação rentável.
Nem mesmo ações civis públicas, ajuizadas por entidades da sociedade civil com sentenças definitivas (Proteste e Coalizão Direitos na Rede) contra a Anatel e a União, estão sendo capazes de estancar este escândalo, pela falta de acompanhamento desses bens desde a privatização ocorrida em 1998. No acórdão nº 2142/2019 o TCU dizia: … “mesmo após vinte anos de concessão, a agência reguladora não é capaz de informar, com mínimo grau de precisão, quantos são, onde estão e qual o valor dos bens reversíveis colocados à disposição das concessionárias STFC em 1998 …”.
Com certeza, por este desconhecimento, atribuir valor zero à infraestrutura seria um atalho bastante conveniente para abreviar uma avaliação e encobrir sua ineficácia e ilegalidade. De qualquer maneira, fica bastante claro o interesse da sociedade na correta avaliação, pois o valor do saldo dos bens a serem repassados às operadoras devem reverter em ampliação da infraestrutura de acesso aos serviços de internet em todo o país, como forma de diminuir o abismo digital entre as diversas regiões e classes sociais (Lei 13.879/2019).
No entanto, no afã de viabilizar uma possível solução de continuidade de uma empresa privada, criaram-se mecanismos inconsistentes para o seu salvamento em detrimento da sociedade brasileira. Além disso, sem nenhuma manifestação da Anatel, as operadoras ajuizaram em paralelo uma arbitragem bilionária por um alegado e pouco esclarecido desiquilíbrio dos contratos de concessão, que poderá vir a resultar em um aumento da conta à União. E ainda, questiona-se, se a solução de consenso do TCU encerraria as divergências em torno das concessões, por que a alegação de desiquilíbrio dos contratos não foi também incluída?
Nesse meio tempo, tem havido mudanças de opinião por parte do TCU, que sempre imputou à Anatel as falhas no levantamento e acompanhamento dos bens, mas que agora busca soluções pouco transparentes, e que até mesmo internamente geram manifestações de desconforto como a recente declaração “… as opiniões de auditores não podem obstar a deliberação do plenário”, indicando claramente o dissenso em relação à decisão. (Questão de Ordem do TCU de 13/03/2023).
Conforme se pode constatar um “acordão” está sendo gestado com interesses diversos. Como destacou a advogada Flávia Lefèvre em seu artigo “Universalização do acesso à internet virando fumaça” (Mobile Time de 9/04/2024): “A adaptação das concessões para autorizações da telefonia fixa, que inicialmente tinha a anunciada intenção de produzir investimentos para serem aplicados na universalização da banda larga em nosso país, virou uma forma de escamotear incompetências, de criar normas de resolução de litígios pouco transparentes, de prover respaldo para livrar operadoras de pagamento pelos bens reversíveis, no intuito inclusive de facilitar recuperações judiciais de empresas privadas. E quem pagará por isso será a União; diga-se nós, cidadãos!”
Instituto Telecom, Terça-feira, 7 de maio de 2024
Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Clube de Engenharia