Anatel desiste da competição em um terço dos municípios do Brasil
Enquanto ainda avalia a revisão do modelo regulatório de telecomunicações, a Anatel prepara mais um passo em direção à desregulamentação do setor. Mudanças propostas nas regras de competição buscam enxergar os mercados de forma mais granulada, identificando distinções ao nível municipal, mas ao mesmo tempo admitindo o fracasso competitivo em quase um terço das cidades brasileiras.
O fundo teórico é o mesmo que sustenta o debate pelo fim das concessões, pelo qual diferentes serviços competem entre si, cujo maior exemplo é a decadência da telefonia fixa frente aos celulares, que se tornaram substitutos. Com essa possibilidade em mente, a agência quer dividir os municípios em quatro categorias: competitivos, potencialmente competitivos, pouco competitivos e sem competição.
Essa distinção definirá onde a Anatel vai atuar. Na prática, no grupo que concentra entre 2 mil e 3 mil municípios do país onde a competição é incipiente ou muito modesta. E aqui vem uma marca importante: a tendência é que nos grandes centros, onde vê competição efetiva, a agência deixe o mercado cuidar de si mesmo. No outro extremo, com um terço dos municípios do país, também haverá um certo abandono. É onde a competição não chegou, nem chegará.
Grosso modo, a competição é entendida como a possibilidade de as pessoas trocarem facilmente de serviços. Daí um dos principais critérios ser a presença de pelo menos três operadoras com fatias de 20% do mercado cada uma. A agência acredita que na telefonia fixa isso é simples em cerca de 2,3 mil cidades. Mas o número cai muito no caso dos outros serviços. Na telefonia móvel, o mapa da competição se restringe à faixa costeira entre o Paraná e o Rio de Janeiro, além do Distrito Federal. Na banda larga, ela só existe mesmo em pouco mais de duas dezenas de metrópoles com mais de 700 mil habitantes. E na TV paga nem isso, no máximo em 11 cidades com mais de 1,5 milhão de pessoas.
Cerne da proposta de novo Plano Geral de Metas de Competição, esse desenho deve ser ainda mais granulado a partir da consulta pública do texto – o que foi adiado por um pedido de vista, de Igor de Freitas. Segundo a superintendência de Competição da Anatel, a ideia é agregar dados de demanda sobre esse cenário baseado em oferta, ou seja, informações sobre renda, educação, etc.
Se nesse punhado competitivo a agência terá pouco a fazer, o mesmo se dará nos quase 3 mil municípios onde prevalece o monopólio – ou no entender anatelino, onde não há escala mínima viável e a oferta de serviços só existe por ser compulsória, por meio das concessionárias (principalmente a Oi, em menor grau a Telefônica).
Ali, por essa leitura, só a injeção de força ou dinheiro público garante acessos. A dúvida imediata é como o Brasil vai garantir isso uma vez que está em curso o fim das concessões. Pelo desenho teórico, o remédio virá com incentivos fiscais ou aportes diretos do Estado. “Nessa situação, penso em rever a posição sobre o fim das concessões”, admite o relator do PGMC, Aníbal Diniz. Mas dificilmente essa avaliação será majoritária no órgão regulador.
Luís Osvaldo Grossmann, Convergência Digital, 4 de agosto de 2016