Governo dos EUA propõe controlar Ericsson e Nokia para combater a Huawei
As ações da Ericsson e da Nokia dispararam na sexta-feira, 7, por conta de uma proposta que pegou o mercado desprevenido: a de que o governo norte-americano assuma o controle das duas empresas para fazer frente à competição da Huawei. Uma intervenção estatal norte-americana nas companhias sueca e finlandesa, duas das maiores fornecedoras de infraestrutura crítica de telecomunicações, parece algo pouco coerente, considerando que a administração Donald Trump acusa a Huawei justamente de ter laços com o governo chinês (o que a empresa nega), além de bastante improvável, por serem empresas de outra nacionalidade. Mas essa foi, de fato, a sugestão que o advogado-geral dos EUA, William Barr, revelou durante uma palestra na Conferência da Iniciativa China, do Departamento de Justiça (DoJ) norte-americano, em Washington, na quinta-feira, 6.
A lógica de Barr (sem trocadilhos) é: a Huawei é a fornecedora líder em todos os continentes, “exceto na América do Norte”, segundo ele; e os Estados Unidos não têm um fornecedor de equipamentos de rede móvel; e as principais competidoras da chinesa são a Nokia e a Ericsson. Logo, a forma do governo dos EUA de combater a chinesa é com a aquisição do controle das duas empresas. Além, claro, das acusações de espionagem que levou a administração Trump a barrar a presença da Huawei no país e que têm sido usadas para pressionar outras regiões, como o Reino Unido a União Europeia, a aplicar o mesmo embargo.
“As únicas duas empresas que podem competir com a Huawei no momento como fornecedoras de 5G são Nokia e Ericsson”, diz. A questão é que, para ele, nenhuma das duas tem a escala da Huawei “ou é apoiada por um país poderoso com um grande mercado, como a China”. Assim, sugere que há propostas de estatização de duas companhias internacionais. “Alguns propõem que essas preocupações poderiam ser endereçadas com os Estados Unidos se alinhando com a Nokia e/ou Ericsson por meio da posse norte-americana de participação como controlador, seja diretamente ou por meio de um consórcio com empresas norte-americana e aliadas”, declarou Barr.
Embora não revele exatamente quem são os autores dessa sugestão, o representante do governo norte-americano a endossa. “Colocar a nossa força financeira e de mercado por trás de uma ou ambas as companhias resultaria em um competidor mais formidável e eliminaria preocupações sobre o poder de estabelecimento. Nós e nossos aliados mais próximos certamente precisamos ativamente considerar essa abordagem.”
Em seu discurso, o advogado-geral dos EUA (e ex-executivo da Verizon) cita como alternativa apenas a possibilidade de ação do modelo de OpenRAN, abrindo o ecossistema para uma diversidade maior de fornecedores menores, incluindo equipamentos desenvolvidos por “inovadores dos EUA e ocidentais”. Porém, ele considera que isso é apenas “uma torta no céu” (bonito de se ver, mas difícil de conseguir), e que a abordagem é “completamente não testada, demoraria vários anos para sair do chão, e não estaria pronta para o horário nobre em uma década, se muito”. Vale lembrar que essa abordagem de OpenRAN está sendo utilizada por empresas como a Rakuten, no Japão, além de testes realizados pelas europeias Telefónica e Vodafone.
William Barr compara a guerra econômica contra a China com o período da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria com a União Soviética para justificar que os Estados Unidos se uniram com parceria entre governo, setor privado e academia para enfrentar esses desafios. “Se queremos manter a nossa liderança tecnológica, nossa força econômica e, especialmente, a segurança nacional, precisamos que os setores público e privado trabalhem juntos e fiquem ombro a ombro”, afirmou. Colocando os vários comentários ideológicos de Barr de lado, é interessante notar que, no próprio discurso, ele condena a “ambição chinesa de ser dona do mundo” e a forte influência do governo chinês. “A ditadura mobilizou toda a sociedade chinesa – todos as pessoas do governo, de companhias, das universidades e da indústria – para executar perfeitamente um plano ambicioso de dominar as principais tecnologias do futuro.”
Na prática
Acontece que os Estados Unidos não estão exatamente preocupados com questões concorrenciais que poderiam ser levantadas por autoridades antitruste nacionais e internacionais. Além disso, fazer com que o governo norte-americano passe a ter controle de duas empresas privadas e estrangeiras é justamente a antítese do conceito de livre mercado defendido pelo partido Republicano. Mas, se por um lado é improvável pensar em investimento direto do governo, um cenário mais provável seria o de empresas e fundos norte-americanos recebendo subsídios ou incentivos para avançar na participação no capital da Nokia e da Ericsson, que são companhias abertas.
Porém, isso poderia forçar ainda uma segregação tecnológica entre os países que acatam o posicionamento dos Estados Unidos e os que continuam utilizando a Huawei. Embora mostre alinhamento com a administração Trump, o governo brasileiro não tem mostrado oficialmente nenhum sinal de restrição a fornecedores chineses na infraestrutura do 5G, enquanto as teles brasileiras dizem que seria impraticável não poder contar com a Huawei. No Reino Unido, onde há uma ressalva de que tais empresas só podem fornecer equipamentos para rede de acesso, e não para core de rede, há reclamação de operadoras como Vodafone e BT de que isso representará um custo adicional na implantação da infraestrutura.
Ainda é tudo especulação, e a realização (ou não) da Mobile World Congress no final do mês poderá indicar um horizonte mais realista para o mercado. Segundo a agência de notícias Reuters, o governo da Suécia afirmou não haver proposta concreta para aquisição da Ericsson, mas disse que o interesse norte-americano é “lógico” por conta do posicionamento da empresa com o 5G. As ações da Ericsson no final da tarde de sexta-feira na bolsa Euronext estavam com alta de 5,68%. Já as ações da Nokia, que tiveram influência também do resultado financeiro de 2019 com lucro, estavam com alta de 6,95%.
Bruno do Amaral, Teletime, 7 de fevereiro de 2020