Duas leis contra o país

out 8, 2019 by

Apesar de todo o combate da sociedade civil – representada pelo Instituto Telecom, Clube de Engenharia e diversas entidades reunidas na Coalizão Direitos na Rede – o governo Bolsonaro sancionou o PLC 79, agora Lei 13.879/2019. Mas as coisas sempre podem piorar. E a bola da vez é a Lei da TV por assinatura.

Aprovada em 2011, após muita polêmica, a Lei nº 12.485, Lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado), tem como princípio básico a separação entre produtor e distribuidor de conteúdo.  Também estabelece que canais de filmes, séries e documentários devem exibir, no horário nobre, ao menos três horas e meia de conteúdo nacional por semana, a chamada política de cotas. Reconhece, ainda, o papel do produtor independente.

Essa lei permitiu à produção brasileira independente sair de uma participação insignificante e alcançar, em 2017, 13,8% do tempo da TV paga. O número de longas-metragens brasileiros lançados comercialmente saltou de 100, em 2011, para 185 em 2018. O número de obras seriadas realizadas passou de 100, em 2011, para 697 em 2018. Ou seja, fortaleceu a produção independente e de conteúdo nacional.

Este ano, a lei passou a correr grave risco com a apresentação do Projeto de Lei 3832/19.Em audiência no Senado, estudiosos da questão alertaram para as consequências da aprovação do PL sobre a Lei da TV por assinatura:

1) Alfredo Manevy , professor de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) –  “A aprovação do PL 3.832/2019 vai acarretar o fim da pluralidade garantida pela lei, o fim da garantia de exibição de conteúdo nacional independente e regional, interrupção da capacidade da Ancine de investir, perda de ICMS para os estados e perda da capacidade de investimento do fundo setorial”.

2) Marina Pita, coordenadora-executiva do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes):  “barreiras à propriedade cruzada beneficiam os consumidores e aumentam a pluralidade de conteúdos. Se a lei for enfraquecida haverá grandes impactos econômicos e culturais”.

3) João Brant, pesquisador e consultor em políticas de Comunicação e Cultura: “a urgência para alterações na lei é uma demanda de empresas estrangeiras, em especial a AT&T. Atualizar a lei agora não é urgente para nenhum segmento nacional que atua no setor. O mercado audiovisual brasileiro é, atualmente, vigoroso e dinâmico e vem crescendo acima da média da economia nacional. A ‘integração vertical’ — quando uma mesma empresa detém dois ou mais seguimentos da mesma cadeia produtiva — trará impactos negativos ao consumidor”.

4) Mauro Garcia, presidente-executivo da Brasil Audiovisual Independente (Bravi): “a Lei 12.485 já foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive para conteúdos na internet. Há no Brasil hoje mais de 13 mil pequenas e médias empresas produtoras independentes de audiovisual, que geram mais de 300 mil empregos e movimentam cerca de R$ 25 bilhões anuais, gerando R$ 3,3 bilhões em impostos.

A Lei do SeAC é boa por reduzir a assimetria regulatória no setor, ter aspectos de defesa do consumidor, obrigar empresas a terem sede no Brasil, valorizar o conteúdo nacional, prever canais de distribuição obrigatória (principalmente canais institucionais como a TV Senado), incentivar investimentos em conteúdo, infraestrutura e capacitação, além de promover equilíbrio concorrencial e maior competitividade”.

5) Paulo Roberto Schmidt , represente do Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo: “a Lei do SeAC valoriza e dá espaço para o conteúdo audiovisual nacional, o que foi fundamental para fortalecer essa indústria nos últimos anos. A lei deve abranger também a internet”.

O fato é que a sanção do PLC 79 vai levar a uma concentração ainda maior de mercado nas mãos da Oi, Vivo e Claro. Por outro lado, o risco do fim da lei da TV por assinatura será péssimo para a indústria independente e a produção de conteúdo nacional, para os pequenos e médios distribuidores e empacotadores e só beneficiará os grandes conglomerados internacionais de telecomunicações/comunicação.

Instituto Telecom, Terça-feira, 8 de outubro de 201905

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