Operadoras brasileiras implantam iniciativas para reduzir desigualdade de gênero
A proporção de profissionais mulheres no mercado de telecomunicações no Brasil tem aumentado, segundo representantes de diversas entidades ouvidas por este noticiário. Sobretudo, as empresas têm procurado incentivar a capacitação e o recrutamento por meio de programas. Já para levar as funcionárias a cargos de liderança, as companhias efetuam iniciativas de mentoria, buscando reduzir a desigualdade de gênero. O objetivo é reduzir uma proporção persistente de cerca de um quarto da força de trabalho composta de mulheres.
“Eu vejo avanços na pauta pelo simples fato de organizações do setor de telecom brasileiras e internacionais estarem lidando com o tema de maneira mais forte”, declara a superintendente de Relações com os Consumidores da Anatel, Elisa Leonel. Ela lembra que há pelo menos dois anos, um debate sobre empoderamento feminino é realizado durante o Painel Telebrasil, um dos principais eventos do setor.
A superintendente argumenta que há falta de dados, mas que é possível identificar melhora em alguns pontos, como a própria proporção da presença das mulheres. “Praticamente todas as grandes empresas de telecom no Brasil têm parâmetros aonde elas querem chegar”, lembra. “Não só as de telecomunicações, mas provedores de soluções e tecnologia também têm targets, e esses são dados que mostram avanço.”
Na fornecedora Ericsson, a proporção de mulheres trabalhadoras é de 26% no Brasil. Segundo a vice-presidente de marketing, comunicações e relações institucionais da Ericsson, Georgia Sbrana, há cinco anos, a companhia estabeleceu a meta de encerrar 2020 com 30% da força de trabalho. “Na época me pareceu esquisito ter cota”, diz. “Mas em uma posição de liderança, eu comecei a perceber que realmente precisa ter uma meta para fomentar. Se for chamar para uma entrevista, chamamos homens e mulheres. E se ambos forem realmente muito bem, vamos pensar em escolher a mulher, é um critério de escolha de desempate”, afirma.
Elisa Leonel ressalta que há uma percepção que as cotas significam baixar a qualidade do perfil do executivo. “Isso não é verdade. Estudos mostram que existem uma série de mulheres preparadas, mas elas estão excluídas por todo esse contexto mais amplo”, argumenta. “Tem toda uma discussão sobre produtividade de mulheres por elas administrarem as famílias.”
Iniciativas
A Vivo tem uma série de medidas para tentar reduzir o gap entre homens e mulheres na própria empresa. Neste ano, a operadora passou a vincular a meta de diversidade de gênero ao pool de bônus dos executivos, além de ter programas de formação e desenvolvimento de lideranças dedicados exclusivamente para mulheres, como o “Wil_Women In Leadership”, e um projeto de mentoria feminina. A companhia é signatária dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs, na sigla em inglês), iniciativa ONU Mulheres e do Pacto Global. Segundo a VP de pessoas da empresa, Niva Ribeiro, a tele encara o posicionamento como um diferencial, tornando a marca “inclusiva e contemporânea” com maior diversidade. “A gente enriquece a soma de talentos refletindo a realidade do mercado. É uma alavanca importante e um diferencial de inovação”, disse ela a este noticiário.
Essas iniciativas têm supervisão de conselhos, nos quais participam vice-presidentes como “sponsors” (patrocinadores), além do comitê de diversidade na alta liderança, que toma as decisões. Assim, promove-se participação por meio de ações estruturadas que, diz Ribeiro, vão além dos princípios de empoderamento da ONU. A executiva diz que a implantação dos programas ocorreu após um trabalho de conscientização, com treinamento de lideranças para a mudança de cultura. “Depois a gente colocou em prática ações de ordem prática que servem para todos, como recrutamento e seleção, a começar com a eliminação do viés seletivo com o currículo às cegas”, declara. No último programa de trainee da operadora, 53% dos aprovados eram mulheres, um aumento de 15% em relação às edições anteriores.
Mais de 40% do efetivo total da Vivo é composto por mulheres. Nos cargos gerenciais, essa proporção é de 30%. Segundo a executiva, a empresa tem procurado estimular mais mulheres diretoras e VPs: a formação de lideranças femininas é feito em conjunto com a matriz espanhola por meio do programa específico na Universidade Telefónica, em Barcelona, onde 200 executivas da operadora brasileira já fizeram cursos e programas. Além disso, a mentoria focada nas mulheres aproxima as funcionárias e vai além da liderança. “Sou executiva do Grupo Telefônica há 18 anos, e além de estar como exemplo prático de que a empresa tem oportunidade, a gente cria espaço para mentoria com diálogo”, declara Ribeiro.
Por email, a Oi afirmou que tem aumentado a presença feminina no quadro de cargos executivos (diretoras, gerentes e consultoras executivas) nos últimos anos, chegando ao percentual atual de 32,2%. No instituto de inovação e criatividade Oi Futuro, contudo, essa proporção é de 64% nas lideranças. “Além de valorizar a igualdade de gênero em sua força de trabalho, a Oi promove diferentes ações com o objetivo de reduzir a lacuna entre homens e mulheres, contribuindo para um mercado mais igualitário”, declara a empresa.
Entre as ações está a prorrogação da licença maternidade para seis meses; a possibilidade de home office até quatro vezes por semana; programa de gestantes para acompanhamento da gestação até o terceiro mês do bebê, com monitoramento telefônico e da central de relacionamento 24h/7 dias para colaboradoras e dependentes de colaboradores. Na Campanha Outubro Rosa, a Oi dá isenção da coparticipação nos meses de outubro a dezembro do exame de mamografia para todas as operadoras. A operadora também destaca empoderamento feminino em escolas NAVE (Núcleo Avançado em Educação), Hack Girls e treinamento de atletas para e-Sports.
A Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint) conta com a iniciativa Câmara Abrint Mulher, com projetos específicos para não apenas divulgar o papel institucional da entidade, mas para fomento da participação das mulheres no ambiente dos ISPs. “Nos últimos cinco anos, temos um aumento no número de participantes na Abrint, e a cada ano que passa, o número cresce galopante. Ainda assim, é um número tímido”, declara a diretora jurídica da associação e membro da câmara especializada, Cristiane Sanches. Ela celebra iniciativas de diversidade e inclusão, como a inclusão em metas de bônus de executivos e cotas, mas alerta que são ações pontuais. “É importante, é essencial, mas hoje precisamos ter uma discussão mais ampla, fazer uma discussão ampla multinacional, o que é mais complicado. O que temos visto hoje está voltado para a cultura do que boas práticas. É importante continuar com isso, mas não é suficiente no setor”, declara.
Gap de gênero
Segundo o estudo da União Internacional de Telecomunicações divulgado neste mês, 4,1 bilhões de pessoas estão online, ou 53% da população mundial. Embora esse indicativo mostre melhora anual (de 5,3%, ainda que restem 3,6 bilhões de pessoas desconectadas), há a diferença de gênero. De toda a população mundial, apenas 48% das mulheres utilizam a Internet, contra uma taxa de 58% entre os homens. A única região do mundo onde a participação feminina online é equivalente a dos homens é justamente nas Américas. Em dois terços dos países no mundo, os homens são a maioria online, e há regiões onde a desigualdade tem até aumentado.
Embora a UIT não discrimine blocos regionais como a América Latina, no mapa mundi do relatório, contudo, o Brasil está classificado como “proporção igual” em gênero. Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018 do Cetic.br, a proporção de homens usuários de Internet no Brasil é de 71%, enquanto a de mulheres é de 70%.
Em parceria com a Comissão de Banda Larga da Unesco, a UIT tem uma agenda com metas para “Conectar a outra metade” da população mundial, que inclui que, até 2025, “a igualdade de gênero deveria ser atingida em todas as metas”.
Bruno do Amaral, Teletime, 14 de novembro de 2019