Rosa Weber nega suspender ações contra políticos donos de rádio e TV

dez 12, 2016 by

Ao entender que as concessões nas mãos de senadores e deputados ferem a democracia, entidades realizam diálogos para fortalecer incidência na agenda

O Intervozes realizou nesta quinta-feira 8, em São Paulo, a segunda roda “Diálogos sobre o Direito à Comunicação no Brasil”, desta vez com o tema “Políticos Donos da Mídia”.

 O objetivo foi discutir as ações que pedem o imediato cancelamento das concessões de emissoras de rádio e TV nas mãos de políticos, como as ações civis públicas que estão sendo movidas no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) nos estados e as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 246 e 379, ambas ajuizadas no Supremo Tribunal Federal pelo PSOL, que questionam as concessões dadas a políticos.

 A roda de diálogos contou com a participação do próprio Intervozes, representado pela advogada Veridiana Alimonti, que colaborou na elaboração das ADPFs ajuizadas pelo PSOL, além de Eugênia Augusta Gonzaga, Procuradora Regional da República em São Paulo, Camila Marques, advogada coordenadora de projeto na organização Artigo 19, Pedro Freitas, do Levante Popular da Juventude, e Ricardo Vos, da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, que compõe a campanha Fora Coronéis da Mídia. A atividade teve apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES).

 A roda de diálogos ocorre no momento em que a proibição de políticos eleitos serem concessionários de empresas prestadoras de serviço público volta novamente à crista do debate. Recentemente, Rosa Weber, ministra do STF, rejeitou o pedido de liminar de Michel Temer para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de senadores e deputados federais.

 O Governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), havia entrado com a ADPF 429 no STF em 9 de novembro para tentar barrar os processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um grupo de 40 parlamentares.

 Nesta ADPF consta um pedido de liminar no qual a Presidência solicitava aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais decisões judiciais que contrariam os interesses dos deputados e senadores com concessões públicas de rádio e TV, com o falso argumento de tais decisões fazerem “interpretações equivocadas da Constituição”.

 A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos estados como, por exemplo, a decisão por meio de liminar que determinou a interrupção, em agosto passado, das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), e o cancelamento de concessões de emissoras de rádio dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB-SP).

As decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal. Ações similares contra parlamentares tramitam também em outros estados.

 A decisão de Rosa Weber garante a continuidade destes processos nos estados. No entanto, vale lembrar que a pauta, incluindo as ADPFs 246 e 379 e agora a 429, que se encontram em análise no Supremo, estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que pode, portanto, alterar a decisão da ministra.

 Concessão a políticos é inconstitucional

 As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. E ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República.

 Segundo Bráulio Araújo, membro do Intervozes e advogado que elaborou as ADPFs pelo PSOL, a “jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

 Araújo menciona em uma das petições que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o STF já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.

 Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

 Por mais absurdo que isso seja, é justamente esse o artigo citado pelo atual governo na peça, assinada por Temer, pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de Contencioso, Isadora Cartaxo de Arruda. Sustenta a Presidência que as decisões judiciais contrárias à concessão de rádios e TVs para políticos conferem “interpretação incorreta à regra de impedimento constante do artigo 54” da Constituição Federal e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.

 Para o PSOL e entidades como o Intervozes e Artigo 19, o artigo 54 é claro em impedir a concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a empresas que tenham deputados e senadores como sócios, independentemente da retórica usada pela Presidência em sua peça judicial em defesa dos parlamentares.

Além disso, a ação de Temer ignora a primeira linha do artigo 55 da Constituição, que diz claramente: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”, além de partir do princípio de que as liberdades individuais estão acima dos limites impostos pela lei, quando se sabe que não estão. Ou seja, quem afronta a Constituição é Temer e a AGU ao tentarem manter privilégios ilegais de parlamentares.

 Ministra não vê divergência em decisões

 Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra do STF Rosa Weber afirmou que não se faziam presentes na hipótese manifestada por Temer e AGU as circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão do andamento dos processos judiciais – o que era a pretensão dos autores. “As decisões judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão geral dos processos”, ressaltou a ministra em sua decisão.

 Influência indevida de políticos

 Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.

Mérito da ação ainda será julgado

 O mérito da questão ainda vai a julgamento no plenário do STF, sem data prevista no momento. Até lá, Rosa Weber terá de elaborar seu voto sobre a constitucionalidade ou não das concessões públicas que beneficiam parlamentares. Ao indeferir a liminar pedida por Temer, a ministra também pediu mais informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Ministério das Comunicações, à própria AGU e à Procuradoria-Geral da República. Por outro lado, caberá a Gilmar Mendes apresentar voto a respeito das ADPFs 246 e 379.

 De acordo com levantamento do Intervozes, 40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, atuam como donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser beneficiados pela iniciativa de Temer.

 Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) – os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão, porém continuam aparecendo nos respectivos quadros societários.

 “A situação chegou a esse ponto por omissão do Poder Executivo nas últimas décadas. Questionamos essa omissão sistematicamente. Nosso objetivo [no Ministério Público] era provocar a manifestação do Supremo. O governo tenta agora justificar a omissão com essa ADPF”, afirmou em entrevista para o UOL publicada na semana passada, o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo e participa do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac).

 No entendimento de Dias, parlamentar que atua como dono de concessão não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar. Deve devolvê-la ao poder público.

 Carta Capital / Intervozes, 9 de dezembro de 2016

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