Sem solução definitiva, tema “franquias” será uma eterna casca de banana

jan 16, 2017 by

É impressionante como o governo segue caindo na casca de banana chamada “franquias na Internet”. A última deslizada foi do ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, que primeiro deu uma entrevista prevendo que no segundo semestre a Anatel voltaria a liberar o modelo com franquias e depois se desdisse com uma nota afirmando que “não haverá mudanças no modelo atual de planos de banda larga fixa, reiterando seu compromisso em atender o interesse da população e do consumidor”. A casca de banana não foi a declaração inicial do ministro que, na totalidade de suas declarações, enfatizou a necessidade de defender os interesses dos usuários mas também o problema de achar um equilíbrio com as empresas. A casca de banana é a situação em si, e sempre que alguém lembrar que o problema existe, haverá um escorregão. Enquanto a regulamentação em vigor e a lógica econômica da prestação do serviço apontam para um lado (o de que as franquias são válidas), a prática de mercado e o interesse dos usuários apontam para outro, de um modelo sem franquias.

Essa confusão fica evidente no recuo do ministério. O que o MCTIC chama de “modelo atual” é algo que ninguém com o mínimo de conhecimento de causa pode dizer exatamente o que seja. E isso é um problema.

Em vez de resolver o impasse em definitivo, a Anatel, desde abril do ano passado, decidiu-se por um paliativo: uma cautelar, impedindo as empresas de praticarem franquias nos planos de acesso de banda larga. Posteriormente, abriu uma rodada de consulta à sociedade (adiada até o final de abril próximo), para colher subsídios. Ninguém sabe por quanto tempo essa análise permanecerá. O fato é que as próprias empresas concordaram, tacitamente, com essa estratégia da Anatel, esperando a poeira da opinião pública baixar. O problema é que, inevitavelmente, de tempos em tempos, alguém vai escorregar de novo e a poeira subirá mais uma vez, evidenciando o problema varrido para baixo do tapete.

As questões a serem respondidas podem ser assim resumidas: é razoável que as empresas de telecomunicações estabeleçam planos de dados com franquias? Se sim, quais seriam estes limites e quais seriam os efeitos para os usuários? Se não, quais as consequências para as redes, para as necessidades de investimentos das empresas e para os preços ao consumidor? (um leque mais completo de perguntas pode ser lido aqui neste artigo ou na própria “tomada de subsídios” da Anatel)

O argumento dos que defendem acesso ilimitado é o de que essa é a prática usual e, portanto, um direito adquirido, mesmo naqueles casos em que o contrato prevê uma franquia (mas nos quais o limite nunca tenha sido praticado, ou porque os usuários nunca bateram no teto, ou por liberalidade das operadoras). Alega-se que as redes fixas têm uma capacidade muito grande e que impor limites é injustificável, e que restringir o volume de dados trafegados inibiria o uso de determinadas aplicações, inclusive com riscos ao princípio da neutralidade de rede previsto no Marco Civil.

Do lado das empresas de telecomunicações, os argumentos são os de que existem limites físicos para a capacidade das redes, que demandam investimentos para acompanharem o volume de tráfego. Alegam ainda que elas têm plena liberdade de estabelecer modelos de negócio porque a banda larga fixa é um serviço prestado em regime privado, que não existe nenhuma restrição legal ou regulatória ao estabelecimento de limites e que o modelo de franquias poderia agregar mais opções aos usuários do que um modelo ilimitado, em que todos pagarão pelos que consomem mais.

A pergunta é quando a Anatel vai arbitrar esses conjuntos antagônicos de argumentos. Por ora, a agência está deixando essa briga para o futuro, com o suporte do governo, e quanto mais o assunto é adiado, mais a internet fixa ilimitada se tornará fato consumado, e uma retomada ao modelo de franquias será inviável. Relembrando que o modelo com franquias é algo que já existia e era permitido até abril do ano passado, quando a Anatel decidiu suspendê-lo por cautelar.

Não quer dizer que a Anatel e o governo precisem decidir em linha com o que querem as empresas. A posição pode ser a de rever a regulamentação e assegurar que os planos sejam todos ilimitados, transformando a cautelar em regra geral. Mas, para isso, a agência precisará respaldar sua decisão com elementos de sustentação de ordem social, econômica e jurídica. E para encontrar esses argumentos precisará ir além do clamor da opinião pública, buscando dados de que ainda não dispõe, tais como a efetiva capacidade das redes, o volume de tráfego, o perfil de demanda dos usuários etc.

Ou a Anatel poderá decidir que as empresas é que têm razão e que elas podem fazer como preferirem, desde que respeitando os direitos dos usuários e evitando abusos comerciais. Ou, ainda, poderá achar um meio-termo, assegurando a existência de planos ilimitados a custos razoáveis, mas permitindo modelos de franquias. Mas é preciso uma decisão.

Um modelo sustentado por uma cautelar é o pior dos mundos para empresas e também para os usuários, porque é frágil, volátil e sujeito a questionamentos. É preciso lembrar que não existe uma única rede de banda larga fixa. Esse é um serviço prestado por dezenas de tecnologias diferentes, cada uma com uma característica técnica e capacidade específica, e por empresas diferentes, com diferentes limites de investimento e modelos de negócio.

Do outro lado, também não existe apenas um tipo de usuário de banda larga. Há aqueles que migraram todos os seus serviços de telecomunicações para a rede de dados (inclusive consumo de vídeo), e há aqueles que ainda demandam o básico, pelo menor preço.

Sem que o problema da banda larga tenha o devido tratamento regulatório, e mantido o modelo atual de prestação do serviço, corre-se o risco ou de que determinadas redes de banda larga (sobretudo de pequeno porte) se tornem inviáveis ou que determinados usuários não sejam atendidos (porque os valores cobrados podem aumentar ainda mais).

Samuel Possebon, Tela Viva News, 13 de janeiro de 2017

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