Direção da Anatel e Procuradoria brigam por regra própria para pregões
Sob o manto da defesa de sua autonomia, a Agência Nacional de Telecomunicações se recusa a seguir as regras que valem para toda a administração pública na compra de materiais e serviços. O órgão regulador, que já se vale de um regulamento próprio para licitações, tenta estabelecer outro, específico para pregões eletrônicos.
Com essa estratégia, a Anatel procura escapar do alcance da legislação federal sobre pregões (Lei 10.520/2002) e pregões eletrônicos (Decreto 5.450/2005) e, de certa forma, acaba fugindo da própria Lei de Licitações (8.666/93), uma vez que adota normas elaboradas internamente para regular suas próprias compras públicas.O projeto, porém, enfrenta resistência da procuradoria jurídica, que insiste em recomendar “a inteira submissão às regras de licitações e contratos administrativos”. Por isso, tem reiterado a prática de “não aprovar edital e minuta de contrato em razão da inobservância dos ditames da referida legislação”, conforme relato da Superintendência de Administração Geral ao Conselho Diretor da Anatel.
Explica-se: Para o Conselho Diretor, a Anatel não está obrigada a cumprir a legislação referente aos pregões. Baseia-se, para isso, no artigo 54 da Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, pelo qual “a agência poderá utilizar procedimentos próprios de contratação, nas modalidades de consulta e pregão”. Vale lembrar que ambos eram novidade na administração, podendo-se considerar a agência pioneira no uso desses instrumentos.
Cinco anos depois, porém, foi estabelecida uma legislação federal sobre o uso dos pregões em compras públicas, a Lei 10.520/2002. Em 2005, o Decreto 5.450 regulamentou o pregão eletrônico, subordinando a ele “além dos órgãos da administração pública federal direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União”.
A Anatel, no entanto, prefere manter a interpretação de que a LGT lhe dá poderes acima da legislação posterior e escora-se em um parecer e numa nota técnica da própria procuradoria especializada da agência. Os dois documentos sustentam o entendimento de que “as disposições da Lei 10.520/2002 e o Decreto 5.450/2005 não são aplicáveis no âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações”.
Tanto o parecer quanto a nota técnica foram elaborados quando o Procurador-Geral da Anatal era Antônio Domingos Bedran, hoje membro do Conselho Diretor. Com a saída dele daquele cargo, mudou também a interpretação sobre o assunto. Ao ponto de, no ano passado, com base em uma novo parecer, a procuradoria ter revogado os dois documentos. Mais do que isso, deu força normativa à análise nova, pela qual a agência não pode se esquivar de seguir a legislação federal sobre pregões, inclusive os eletrônicos.
Não surpreende, portanto, que o Superintendente de Administração Geral, Rodrigo Barbosa, em memorando ao Conselho Diretor, afirme que a postura da procuradoria “tem inevitavelmente gerado impasses para o prosseguimento das licitações”.
o memorando gerou também um bate-boca acalorado entre Barbosa e a gerente-geral da consultoria jurídica da agência, Fernanda Bussacos – episódio que rendeu uma representação contra o superintendente encaminhada à Advocacia-Geral, à Controladoria-Geral da União e ao Ministério do Planejamento. (veja matéria neste portal)
Barbosa vem encontrando respaldo no Conselho Diretor. Como a procuradoria revogou os atos que sustentavam a interpretação ampla da autonomia da agência, o colegiado não se deu por vencido. Na reunião de 18 de março deste ano, pelo já tradicional placar de 4 a 1, reafirmou o entendimento de que a legislação sobre pregões não se aplica à Anatel e determinou que a superintendência de administração dê prosseguimento à elaboração de uma regra própria.
Tampouco causa surpresa que essa decisão do Conselho Diretor se deu com a maioria dos conselheiros – com exceção de Emília Ribeiro – seguindo o voto de Antônio Bedran. Afinal, ninguém melhor para defender a interpretação dos atos revogados pela procuradoria especializada da Anatel do que o responsável último pela elaboração do parecer e da nota técnica.
Enquanto o superintendente de administração vocifera contra os procuradores e o Conselho Diretor tenta dar o ‘drible da vaca’ na área jurídica da agência, a procuradoria aguarda uma posição formal da Advocacia-Geral da União sobre o assunto. É que, em geral, pareceres jurídicos são opinativos, mas o Supremo Tribunal Federal incluiu o tema licitações nos casos em que a manifestação das procuradorias “não se limita a simples opinião”.
Não é por menos que a procuradoria, em maio, sustentou que “a decisão do Conselho Diretor não deve ser considerada pelos gestores responsáveis no encaminhamento das aquisições e contratações da agência”. No mesmo parecer, entende que a Superintendência de Administração está num “beco sem saída” entre desobedecer o Conselho ou o jurídico. Mas alerta: “a adoção de prática divergente do entendimento da procuradoria levanta a possibilidade de futura responsabilização dos gestores.”