Venda do Serpro traz insegurança jurídica e uso indevido de dados
Na lista das empresas privatizáveis, a venda do Serpro traz muitas dúvidas, sinaliza para problemas de comércio indevido de dados pessoais e até aqui não apresentou justificativa, e muito menos exemplos internacionais, que corroborem com a desestatização. Em resumo, não há estudo sério sobre a venda da maior empresa de TI do país, aponta um trabalho da Data Privacy Brasil, sobre Desafios Jurídicos e Regulatórios da Privatização do Serpro.
No mais recente plano do Ministério da Economia, a privatização do Serpro, e da Dataprev, está prevista para o segundo semestre de 2022. Mas segundo o professor de Direito Econômico e pesquisador do Grupo Direito e Políticas Públicas na Faculdade de Direito da USP, Diogo Coutinho, no texto para a Data Privacy, são vários os riscos e pouquíssimas as informações públicas que supostamente subsidiam a decisão de privatizar a empresa. “Um ponto de natureza regulatória particularmente sensível é o destino a ser atribuído aos bancos de dados do Serpro”. Por isso, o texto para discussão aponta ser essencial que a preparação o processo de privatização precisa incorporar a participação ativa da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
“A insegurança jurídica poderá minar não apenas as pretensões privatizantes do governo ao tornar incerta a atuação da futura empresa privada, como – mais grave – poderá provocar o desmantelamento de importantes ações públicas na área de tecnologia da informação e processamento de dados”, diz o documento, para emendar que “poderá, ainda – de forma não menos indesejável -, acarretar ou agravar a comercialização indevida e não consentida de dados pessoais por uma empresa privada que os obteve a partir de uma coleta original voltada a outras finalidades”.
O texto relembra críticas do Ministério Público Federal à venda do Serpro. E reforça que “a indefinição quanto ao escopo e ao propósito mesmo da alienação da empresa, somadas às características particulares que o Serpro possui como empresa de atuação híbrida e, ainda, uma série de desafios que demandam a participação ativa da ANPD no processo de modelagem da venda, bem como a preocupante falta que faz um desenho regulatório e contratual das regras que vão reger a atuação privada da empresa terminam por comprometer e obnubilar uma discussão pública informada sobre o tema”.
“O processo não pode ser adequadamente concebido e executado sem que a posição sui generis ocupada pelo Serpro seja reconhecida tanto do ângulo do interesse público, quanto da ótica de sua atuação e interesses privados. Como já dito, um estudo estratégico sobre as funções e os limites do acesso da empresa às volumosas bases de dados públicas que a alimentam, bem como sobre o fato dela poder, simultaneamente, atuar como agente privado (valendo-se justamente desses insumos) deverá, entre outras coisas, evitar a que sua venda gere consequências – ilegalidades na gestão de dados pessoais, por exemplo – indesejáveis.” Anota o professor Diogo Coutinho que “possivelmente o Ministério da Economia confundiu privatização de empresas de TI com terceirização (outsourcing), coisas distintas. Não encontrei referências a privatizações, na OCDE, de empresas como a Serpro ou a Dataprev”.
“É importante lembrar que grande parte dos dados comercializados pelo Serpro por meio de sua atuação como empresa privada são de natureza pessoal e, vale dizer, originariamente coletados, com o consentimento expresso ou tácito de seus titulares, para certas finalidades que não se confundem com o destino que a tais dados é posteriormente conferido. É dizer: mesmo em sua roupagem atual de empresa estatal que opera em nichos privados, como regra o Serpro dá aos dados que gere, por meio de monetização, finalidade não conhecida pelos cidadãos que os cedem para obter determinadas usos, usos esses que nada têm a ver com as atividades econômicas por ele desenvolvidas. Por isso, as relações entre a empresa e o Estado e entre ela e outras empresas privadas depois de sua alienação precisam, o quanto antes, ser melhor definidas.”
Luís Osvaldo Grossmann, Convergência Digital, 12 de julho de 2021