Amnésia azul
No Brasil, cerca de 8 milhões de pessoas moram em área de risco. Ou seja, de cada 100 brasileiros, quatro estão nesta situação. Na região Sudeste a situação é mais grave – 10% da sua população vivem desta forma. Os dados são do IBGE. Tragédias anunciadas e evitáveis.
Está claro que tragédias como a ocorrida em Petrópolis não são uma questão, simplesmente, de chuvas, mas de ausência de política pública. No caso específico, a demanda por uma moradia digna e segura.
Além da irresponsabilidade flagrante dos atuais governos federal, estadual e municipal essa tragédia ocorre como consequência de uma política neoliberal. Como destaca o sociólogo Atílio A. Boron, em 2001, no texto Os novos Leviatãs e a pólis democrática, “a pergunta essencial para avaliar as reformas orientadas para o mercado – eufemismo da reestruturação neoliberal do capitalismo – deve ser (..) esta: essas reformas estão criando uma sociedade boa ou uma sociedade melhor que tínhamos antes? Estas reformas estão conduzindo à consecução de uma sociedade mais justa, humana, democrática, próspera, libertadora e ecologicamente sustentável?”. Acreditamos que não.
A miséria prolifera nas cidades e nos campos. O neoliberalismo levou à indigência milhões de brasileiros. Essa política foi aprofundada no atual governo federal, com o conluio de vários governos estaduais e municipais. A questão da moradia, apesar de ser um direito constitucional, foi deixada nas mãos do mercado, e os mais pobres não têm outra alternativa a não ser se pendurarem em encostas perigosas e mortíferas.
No setor de telecomunicações a tragédia da privatização, dentro da concepção neoliberal de “satanizar” o Estado e exaltar as virtudes do mercado, trouxe, além de preços exorbitantes, concentração do mercado, ausência de universalização dos serviços, principalmente da banda larga, e muitas mortes. Trabalhadores que tiraram a própria vida em consequência de um processo depressivo, do alcoolismo. Hoje, milhares de trabalhadores continuam sendo descartados, numa visão exclusivamente do lucro, sem nenhum compromisso social por parte das grandes operadoras.
A expressão “amnésia azul” foi formulada pelo professor Marcelo Motta, do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, sobre a tragédia anunciada de Petrópolis: “A gente deveria ter tomado atitudes muito severas dada à fragilidade desses sítios e um crescimento populacional também muito agudo, sem planejamento. É o que eu chamo de amnésia do céu azul. O céu fica azul, esquece de se fazer a política que é necessária”.
Nós acrescentamos que a amnésia azul é extensível aos vários aspectos das políticas públicas brasileiras. Qual a política pública para ciência e tecnologia, para a segurança, para a saúde, para educação, para as telecomunicações, para cultura, para o meio ambiente?
Ainda recorrendo a Atílio Boron: “Como se vangloriar por estes supostos “sucessos” (neoliberais) econômicos quando, para consegui-los, foi necessário construir sociedade cada vez mais injusta e desigual e com pobres que pagam com suas vidas os custos de tamanhos experimentos?”
O Estado deve ser fortalecido. Sua função deve ser redirecionada para os excluídos, não para favorecer apenas os donos do mercado.
Instituto Telecom, Terça-feira, 22 de fevereiro de 2022