A (não) ampliação do acesso móvel no Brasil
A partir da Copa do Mundo, o Brasil está no caminho dos grandes avanços na área de telecomunicações. Ao menos é isso que o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, demonstra no seu discurso, quando diz que levou o Brasil para a ponta da tecnologia de acesso à internet em redes móvel, a partir da implementação da rede LTE, nome técnico para a conexão 4G. Mas será que esse ritmo de conexão do País, como apregoa o executivo federal, é um fato?
Para preparar o Brasil para a Copa do Mundo – e as exigências da Fifa – a Anatel incluiu no leilão de frequência de 2,5GHz, destinada ao 4G brasileiro, a obrigação de cobertura nas doze cidades-sede do evento até o início da competição. Ainda, incluiu-se no edital do leilão de frequência, realizado em junho de 2012, que todas as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes deveriam estar cobertas até maio de 2014. O serviço também deverá estar ativo nas cidades com mais de 30 mil habitantes até o final de 2017. Municípios menores terão de contar com o 4G até o final de 2019.
Agora aos fatos: o serviço de 4G ainda é muito caro para a grande parte da população brasileira. Os números de acessos móveis utilizando a rede 4G só são vistosos porque a Anatel, com a anuência do governo federal e apoio do SindiTelebrasil (sindicato patronal das operadoras de telecom), divulgou dados sobre o número de conexões móveis existentes no País que ocultam uma realidade preocupante.
A agência reguladora informou, em release, do dia 17 de junho, que “a banda larga móvel totalizou 128,49 milhões de acessos, dos quais 3,27 milhões eram terminais 4G”. Pela frase, o leitor desavisado supõe que o número de acessos à internet banda larga em dispositivos móveis supera mais da metade da população brasileira. A realidade, porém, é que estes são dados de chips ativados em tecnologia móvel capaz de prover acesso à internet.
Basicamente, todo usuário que dispõe de um smartphone 3G e 4G ou de um modem entra na conta da banda larga móvel da Anatel. No entanto, estima-se que algo em torno de 20% dos detentores de smartphones tenham contrato com pacotes de dados. Um percentual que tende a cair, uma vez que a política tributária do governo federal estimula a venda desses aparelhos no país: ou seja, mesmo que haja mais pessoas com um smartphone, isso não significa que elas tenham capacidade de comprometer parte da renda com serviços de telecomunicações.
A Telebrasil (Associação Brasileira de Telecomunicações), por sua vez, divulgou ao final de julho que o Brasil fechou o primeiro semestre com 161 milhões de acessos banda larga. O montante também considera os 137,7 milhões de conexões em redes 3G ou 4G que, apenas potencialmente, poderiam se conectar. Desse total, 111,5 milhões correspondem a celulares e o restante se refere a conexões por modem. Este último poderia ser contabilizado como acesso móvel, uma vez que não têm outra função.
Na banda larga fixa, ainda seguimos com números irrisórios. Em junho, foram 23,22 milhões de acessos em um país de mais de 200 milhões de habitantes (35,53% dos domicílios). A expansão no número de acessos fixos de 9,3% em doze meses, aparentemente um grande avanço proporcional, é um dado a ser analisado diante da pequena base que o representa. Ou seja, para a grande maioria dos brasileiros, os que acessam serviços de banda larga móvel em sistemas pré-pagos, os preços dos pacotes não cabem no orçamento mensal.
Segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), a oferta de entrada da banda larga não deve ultrapassar 5% da renda média mensal. Como o Brasil é um país muito desigual, vamos usar como referência o salário mínimo que, desde janeiro, vale 724 reais. Os pacotes de entrada de 4G, quando do lançamento das ofertas no ano passado, variavam de 79,90 reais a (2GB de franquia da Claro) a 149 reais (2GB da Vivo). Isso ignorando que os pacotes de dados devem estar atrelados a serviços de voz mínimos. Ou seja, bem acima dos 10% do salário mínimo brasileiro.
Agora, a bem da verdade, ainda é preciso desmontar um último argumento. Não é preciso uma Copa do Mundo para fazer um leilão de frequência e encaminhar a construção de redes. O governo federal está mostrando isso agora, ao impor o leilão da faixa de frequência de 700 Mhz (também para redes LTE), apesar das diversas incertezas sobre interferência entre o serviço de banda larga móvel e a TV digital terrestre aberta. Com este leilão, o governo federal abre mão de qualquer avanço em termos de obrigação de garantia de cobertura. A estimativa – e já salivam os senhores do superávit primário – é que a arrecadação da União chegue a oito bilhões de reais apenas com a venda de outorgas.
Pensando pequeno
O tamanho da ambição brasileira em termos de garantia de acesso (ou sua pequenez) se mede pela velocidade exigida na oferta de “internet” rural: taxa de transmissão de 256 kbps de download, 128 kbps de upload e franquia mensal de 250 MB, conforme as obrigações das vencedoras do leilão da faixa de frequência de 2,5 GHz. Isso nem ao menos é banda larga! A UIT, em 2003, admitia que a definição de banda larga era difícil porque sempre em evolução, mas apontava que o termo seria devidamente usado quando para denominar serviços cuja capacidade de transmissão fosse superior a 1,5 Mbps!.
Mesmo que 100% dos municípios brasileiros disponham da oferta estabelecida até dezembro de 2015, tal como prevê o edital, seria forçar a barra falar em garantia de acesso à internet – um meio com cada vez mais recursos, mas que também exige maior capacidade (e não, as pessoas que moram no campo não querem menos da internet do que você, leitor). O máximo que o governo conseguiu chegar neste edital foi exigir que, até dezembro de 2017, as operadoras ofereçam conexão com taxa de transmissão de 1 Mbps de download, de 256 kbps de upload e franquia mensal de 500 MB. E assim avança a ampliação da internet no Brasil.