Chairman da FCC estaria sendo pressionado contra a neutralidade de rede
O chairman da agência reguladora norte-americana, a Federal Communications Commission (FCC), Tom Wheeler, tem em seu currículo a função de lobista de operadoras no Senado dos Estados Unidos e do próprio presidente Barack Obama (para quem levantou US$ 700 mil para as duas campanhas à presidência). Mas o relacionamento com as teles continua sendo direto mesmo após ele ter assumido o comando da FCC, a julgar por documentos divulgados na semana passada e que mostram várias empresas do setor tentando influenciar Wheeler em sua decisão sobre a neutralidade de rede no debate da Open Internet.
O documento de mais de 600 páginas é resultado de um pedido feito pelo site Vice News à própria Comissão utilizando a lei de transparência dos EUA, a Freedom of Information Act (FOIA). Nele, há conversas (ainda que algumas delas editadas para retirar informações sensíveis de empresas) não apenas com operadoras, mas também associações representantes do setor como a National Cable & Telecommunications Association (NCTA) e a Wireless Association (CTIA); e grandes empresas de tecnologia, como a Cisco.
O CEO da Cisco, John Chambers, por exemplo, procurou Wheeler para apoiar as criticadas regras de neutralidade de rede da FCC votadas em maio, diretrizes estas que deixavam espaço para vias rápidas e pouco tinham de neutralidade real. Chambers, por outro lado, criticou a possibilidade de a Internet ser reclassificada como serviço público de telecomunicações e utility no Title II, afirmando que isso iria diminuir investimentos em novas infraestruturas. Pelo lado das operadoras, o lobby veio da NCTA e da CTIA, associações com as quais Tom Wheeler já possui vínculos fortes.
A reclassificação na Title II é justamente um dos pontos fundamentais e controversos da proposta de Obama lançada há duas semanas. Mesmo os republicanos, que compararam o projeto do presidente norte-americano com o plano de reformulação de saúde pública, chamando-o de “Obamacare da Internet” (declaração do ultraconservador senador Ted Cruz, cujo histórico é justamente contra regras de neutralidade de rede), não ficaram felizes com a proposta anterior que permitia as rotas rápidas, citando representantes do Comitê de Energia Doméstica e Comércio e do Subcomitê de Comunicações e Tecnologia, que disseram que a proposta de maio da FCC era “uma solução em busca de um problema”.
Privilégio de conteúdo
Essa proposta votada pela FCC em maio parece ter nascido de uma interpretação, de certa forma, ingênua para o problema. Em conversa com o analista de tecnologia da firma de investimentos BTIG, Richard Greenfield, Wheeler quis entender a relação entre o equipamento de streaming (e aplicativos para iOS e Android) Roku e o conteúdo da Time Warner Cable on-demand – em vez de ser um puro over-the-top (OTT), o conteúdo seria trafegado pela infraestrutura da própria operadora, sem passar pela Internet pública. “Ele (o conteúdo) não remove banda do serviço de Internet que a TWC me entrega, é um caminho separado – essencialmente uma via rápida que nunca fica congestionada… o que eu penso que é exatamente o que foi vislumbrada na última criação de regras. Não há custo para o consumidor”, explica Greenfield.
Na prática, para o cliente, é como a oferta de serviços gratuitos, como Facebook e Twitter, por parte das operadoras móveis no Brasil. Porém, assim como é debatido no mercado nacional, a proposta de modelos de negócio que permitam parceria entre provedores de conteúdo e provedoras de Internet (ISPs) para privilégio de tráfego é justamente contrária aos pontos de neutralidade de rede defendidos agora pelo governo dos EUA.
Contexto atual
Importante ressaltar que essas comunicações liberadas pela FCC demonstram apenas um certo período e podem não conter conversas recentes, após as declarações de Obama e a intensa contribuição à favor da neutralidade de milhões de norte-americanos na consulta pública da entidade. De qualquer forma, a preocupação é que uma comunicação direta de operadoras, associações e fornecedores de equipamentos esteja influenciando Wheeler em reuniões a portas fechadas e de forma mais contundente que as manifestações públicas. Isso é um ponto sensível porque a pressão imposta por Obama visa colocar a opinião pública progressista contra a indústria – e, por conseguinte, os Republicanos. Dessa forma, reclamar em segredo mexe menos com a imagem das grandes corporações e não dá margem a críticas abertas.
Enquanto isso, nos Estados Unidos o debate ainda está longe de chegar a alguma conclusão. Na semana passada, de acordo com a agência de notícias Reuters, a FCC pediu esclarecimentos à AT&T, que afirmou que iria interromper investimentos de levar infraestrutura de fibra a cem cidades dos EUA por considerar que o cenário futuro teria ficado imprevisível com a possibilidade de reclassificação da banda larga como Title II. Por outro lado, a operadora afirmou que estaria disposta a cooperar com explicações.