Brasil vira alvo na guerra fria pelo comando da Internet
A rejeição da Internet Society dá sinais de que fracassou o projeto de “vender” a ideia de tornar a NetMundial Initiative como uma plataforma online para discussões sobre a governança da Internet. As críticas,à iniciativa não se resumem à Isoc – que deve levar consigo a chamada comunidade técnica da Internet – mas também são encampadas por entidades civis que, agora, reclamam diretamente do apoio brasileiro a NMI.
“É muito desafortunado que o governo brasileiro, que em geral lidera causas progressivas para países em desenvolvimento e mesmo para a sociedade civil, tenha escolhido, através do CGI.br, participar dessa debandada neoliberal. Apelamos para que as lideranças do Brasil repensem seus últimos movimentos sobre a governança da Internet”, diz nota da Just Net Coalition, uma entidade civil criada a partir de críticas à condução do debate sobre a governança da rede.
É bem provável que ao alinhar-se com uma iniciativa liderada pelo Fórum Econômico Mundial e pela Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, a ICANN, as críticas da sociedade civil fossem inevitáveis. O CGI.br se defende alegando que estarão preservados os princípios de ampla participação, embora boa parte das queixas resida exatamente no sistema de indicações e nomeações para o chamado Conselho de Coordenação da NetMundial Initiative.
Mas a guerra de comunicação é anterior à própria NMI e está na base do debate internacional sobre governança da Internet. Começa mesmo na batalha por palavras, como a aparente divergência entre conceitos de multilateralismo e multissetorialismo. Uma retórica que no imaginário da Internet é evidenciado nas supostas tentativas da União Internacional das Telecomunicações, um órgão da ONU, de liderar a mencionada governança.
Até críticos do sistema atual, centrado em entidades como a ICANN, repetem a aparente dicotomia entre defensores de uma “Internet livre” e aqueles favoráveis a uma “regulação estatal” da rede. Mas a questão é mais cinzenta. “O apoio dos Estados Unidos ao modelo multissetorial é derivado do fato de que a ICANN é presa ao cabresto dos EUA e [isso] garante formas privilegiadas de influência”, diz o professor americano Milton Mueller, que acompanha o tema da governança.
É com um raciocínio semelhante que o chefe da assessoria internacional da brasileira Anatel, Jeferson Nacif, endereça a guerra de palavras. “O que sentimos nas discussões na UIT é que para muitos países, especialmente na Ásia, essa questão de instância multissetorial significa empoderar grandes empresas da Internet no debate da governança. Só que as grandes empresas da Internet são todas americanas.”
Nesse contexto, alimenta-se a ideia de que o tema da governança é dividido entre os campeões da liberdade e os países totalitários, uma nova guerra fria. Mas exemplos como a NetMundial Initiative parecem mais com puro oportunismo. O Fórum Econômico Mundial queria entrar nessa discussão, enquanto a ICANN tenta se manter relevante mesmo depois da prometida desvinculação com o governo americano – o que se espera para setembro de 2015. O Brasil, via CGI.br, tenta ser protagonista de um debate mundial. Virou alvo também.