A intolerância do dia-a-dia
Muitos(as) souberam da realização da 15ª Conferência Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), que ocorreu em dezembro de 2009, em Copenhagen. Ela não apresentou os melhores resultados, mas ainda há esperanças. Mas poucas pessoas sabem que ocorreu, em abril de 2009, em Durban, a 2ª Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Nessa conferência, foram tratados assuntos relacionados aos direitos de mulheres, imigrantes, pessoas negras, pessoas com HIV/Aids, povos indígenas, povos ciganos e outros grupos discriminados. Ou seja, a conferência de Durban trata da promoção da igualdade entre as pessoas, e isso não é pouco nos dias de hoje.
Um dos grupos mais prejudicados nos últimos anos tem sido o de imigrantes. Em 2009, e também no início de 2010, tivemos inúmeros exemplos de aumento da hostilidade contra esse grupo. Empregos em baixa aliados à crise financeira só fizeram aumentar a insegurança quanto ao futuro. E logo se arruma um culpado. Governos e empresários facilitam a entrada de estrangeiros(as) para baixar o preço da mão de obra, mas quem leva a culpa? Outra razão para o aumento da hostilidade é a discriminação pura e simples, que existe desde de que o mundo é mundo. A combinação desses dois elementos, entre outros, tem causado muito sofrimento às pessoas que se aventuram – por necessidade ou por escolha – a viver em outro país, principalmente na Europa.
Tomemos a Itália como exemplo. Em janeiro, na Calábria, centenas de imigrantes foram removidos(as) para outras áreas depois de dois dias de manifestações contra a ação de uma gangue de jovens brancos que atirou em imigrantes africanos (que voltavam do trabalho). Outro exemplo foi o “Natal Branco”, organizado pela Liga Norte, partido anti-imigrantes que apoia o primeiro ministro. A situação chega ao ponto de anúncios em jornais trazerem impresso: “Nem animais, nem estrangeiros”.
Em junho de 2009, na Alemanha, o Partido Nacional Democrata sugeriu que um político do Partido da União Democrata Cristã, um angolano que mora há 22 anos na Alemanha, voltasse para seu país e fosse viver uma vida nova, deixando seu cargo político para alguém nascido no país. Em Hamburgo, simpatizantes do mesmo partido espancaram um português de origem africana, após tentar tirar de seu carro o adesivo colado pelo grupo, que dizia, “Hamburgo tem de continuar a ser alemã”. Esse mesmo partido foi condenado por fazer propaganda contrária à presença de mestiços na seleção alemã.
O governo espanhol comemorou o aumento da expulsão de imigrantes, só em 2009 foram 330 mil. Na França, existe uma cota anual para expulsão de estrangeiros(as) e o governo pode interrogar um imigrante por seis dias sem presença de advogados(as). Em determinados países, um(a) imigrante pode ficar detido(a) por até 42 dias, e o governo pode vasculhar e-mails em busca de informações sobre ilegais.
Mas o problema não existe só na Europa. Em 24 de dezembro, brasileiros que trabalhavam em garimpo na cidade de Albina (Suriname) foram atacados a golpes de facão por moradores após briga de bar. Ainda não se sabe ao certo quantas pessoas morreram e quantas ficaram feridas. Na África, no início de janeiro, separatistas da Cidade de Cabinda, Angola, metralharam ônibus em que viajava a seleção de futebol do Togo. Três pessoas morreram.
Vivemos em um mundo globalizado, onde só podem circular informações e mercadorias, pessoas não. Esse mundo tornou os povos mais próximos, mas nem por isso mais tolerantes. Ninguém é obrigado(a) a gostar de outra pessoa, muito menos compartilhar suas convicções – sejam elas políticas, sexuais, religiosas etc –, mas todos(as) somos obrigados(as), sim, a tratar o outro com respeito. Precisamos salvar vidas para além da questão ambiental.
*Luciano Cerqueira é cientista político e pesquisador do Ibase.