A metodologia econômica lesa pátria da Anatel

abr 4, 2023 by

O Instituto Telecom está abrindo este espaço para divulgar artigos de especialistas sobre temas estratégicos das telecomunicações. Hoje, publicamos artigo da advogada Flávia Lefèvre, advogada especialista em telecomunicações e direitos digitais e integrante da Coalizão Direitos na Rede.

Depois de muita resistência da sociedade civil e de parte de senadores progressistas, que chegaram a impetrar Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal, a Lei Geral das Telecomunicações foi alterada em outubro de 2019, para autorizar que as concessões da telefonia fixa migrem para autorizações para exploração de múltiplos serviços, com a transferência de bilhões de reais em bens reversíveis de natureza pública para as concessionárias privadas; são várias centenas de imóveis e TODAS as redes e dutos implantados em todo Brasil, assim como torres e antenas entre outros bens e direitos.

A lei 13.879/2019 estabeleceu que, havendo a migração das concessões para autorizações, o valor desses bens deveria ser apurado de modo a ser revertido em compromissos assumidos pelas empresas de investimento em novas redes de alta capacidade de modo a promover a inclusão digital. Ou seja, a lógica fixada foi a seguinte: empresas ficam com os bens reversíveis e em troca têm de fazer novos investimentos em redes para dar suporte aos serviços de banda larga e acesso a Internet.

Coube a Anatel apurar o valor desses bens e o TCU abriu um processo para acompanhar a atuação da Agência. A auditoria do TCU apurou que a avaliação está sendo feita por consultoria contratada pela Anatel, está se dando em bases inconsistentes, que prejudicam enormemente o erário público. Veja o que diz a auditoria do TCU no processo que foi julgado no último dia 23 de março:

“Relativamente à valoração dos bens reversíveis, foram constatados os seguintes achados de auditoria: a) ausência de reavaliação contábil do ativo imobilizado para os elementos de infraestrutura de rede das concessionárias de STFC; b) desconsideração dos valores econômicos decorrentes de operações de alienação de bens reversíveis no cálculo dos saldos de migração dos contratos de STFC; e c) avaliação das receitas acessórias do STFC de forma metodologicamente inadequada”.

Ainda que os ministros Bruno Dantas e Vital do Rego tenham se pronunciado sobre a regularidade da metodologia adota pela Anatel para realizar a avaliação, o acórdão do julgamento do TCU determinou que a Anatel corrija as graves falhas apontadas pela auditoria em 120 dias, refazendo o cálculo do valor dos bens reversíveis, levando em conta o valor de mercado.

Para ilustrar as irregularidades cometidas pela Anatel, o ministro Vital do Rego apontou que a Oi está vendendo, com a anuência prévia da Agência, no meio desse rolo todo, bens que são essenciais par a prestação dos serviços, sem o devido controle e sem que os valores arrecadados sejam devidamente depositados em conta vinculada, em prejuízo claro ao erário público.

Os dados apontados pelo TCU mostram que a Anatel preferiu adotar metodologia de cálculo que implica numa diferença de três vezes a menos no preço das torres, em desfavor dos cofres públicos para beneficiar empresas privadas, ferindo claramente os princípios constitucionais que orientam a administração pública – a eficiência, impessoalidade e moralidade, configurando malversação dolosa de recursos públicos, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa.

O grau de insegurança jurídica desse processo todo é imenso e inadequado, especialmente por estarmos às vésperas do encerramento das concessões, cujo termo final é dezembro de 2025, podendo se encerrarem também caso alguma concessionária opte pela migração.

Todo esse quadro nos lança em situação de vulnerabilidade, ameaçando a soberania do país sobre as redes públicas e sobre bilhões de reais que deverão ser investidos em inclusão digital e democratização das comunicações. A Anatel está resvalando em malversação de recursos públicos e nós da Coalizão Direitos na Rede estamos de olho.

A Coalizão Direitos na Rede tem em curso duas ações civis públicas em curso contra a Anatel e União para garantir que todos esses recursos públicos sejam preservados e de fato aplicados para reduzir o fosso digital gritantemente ilegal e socialmente injusto, para cumprir a universalização das telecomunicações e do acesso a Internet estabelecidos por lei.

Instituto Telecom, Terça-feira, 4 de abril de 2023

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