Aprovado projeto que dá mais transparência ao Estado
Diferente do que acontece em 90 países de todo o mundo, o Brasil possuía uma legislação que permitia aos governantes manter em sigilo eterno documentos públicos. Fatos históricos importantes, como a ditadura militar ou a longínqua Guerra do Paraguai (1864-1870), permanecem mal explicados em razão deste dispositivo.A espera por uma lei que desse transparência ao Estado acabou esta semana. O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei da Câmara 41, de 2010, também conhecido como “PL do acesso à informação pública”. A proposta também diminui os prazos para que o Estado disponibilize informações e estabelece os mecanismos para que a população possa requerê-las.
Mudanças
Pelo projeto, as informações classificadas como ultrassecretas podem ficar em sigilo por até 25 anos, com a possibilidade de uma renovação pelo mesmo período. Para as secretas, o prazo é de 15 anos, também renováveis uma vez. Já os documentos reservados ficarão em poder exclusivo do Estado por 10 anos, extensível por mais 10. As informações relativas a presidentes, vice-presidentes e famílias ficariam retidas até o fim do mandato.
As instituições ficam obrigadas a disponibilizar dados e documentos sobre todas as atividades, contratos com entes privados e orçamentos previstos e executados em locais de fácil acesso e na internet. Elas também vão ter de criar serviços de informações ao cidadão e estruturas para atender às pessoas que apresentem demandas neste sentido.
O projeto também garante a qualquer cidadão o direito de solicitar informações. A instituição tem até 10 dias para dar retorno. Caso a solicitação seja negada, o autor pode entrar com recurso que será analisado por autoridades hierarquicamente superiores.
Longa tramitação
A matéria começou a tramitar no Congresso em 2003. Em 2009, uma nova proposta sobre o tema foi enviada pelo governo federal e apensada à primeira. Após a criação de uma comissão especial para análise, em abril de 2010, o PL foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados. No Senado, teve boa aceitação nas comissões por onde passou, recebendo apenas emendas de redação.
O grande empecilho veio do senador e ex-presidente Fernando Collor de Melo (PTB-AL), principal opositor da proposta. Collor avocou a relatoria do projeto em uma das comissões da casa e apresentou em plenário uma nova redação para o conjunto da matéria (chamada de substitutivo na linguagem parlamentar). O objetivo seria resguardar “a preocupação de salvaguardar informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado brasileiros”, segundo o parecer.
Collor argumentou que era preciso proteger “conhecimentos tecnológicos”, “decisões diplomáticas” e “segredos de Estado”. O texto mantinha o sigilo eterno, acaba com a obrigação das instituições públicas de divulgarem dados na internet e diminuía o poder da Controladoria Geral da União (CGU) para forçar a publicização de documentos.
Mas o ex-presidente não encontrou eco entre os senadores e viu seu parecer ser derrotado por 43 a 9. Na avaliação do Senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), a aprovação do PL segue uma tendência mundial e não traz riscos ao país. “Aproximadamente cinco bilhões de pessoas têm acesso pleno às informações. Essa característica jamais comprometeu as atividades de inteligência, as ações diplomáticas, o perene conhecimento científico e as atividades comerciais estratégicas dessas nações. Vinte e dois anos depois, nós estamos concluindo o processo de transição democrática e se assemelhando a Estados em que, de fato, o acesso à informação está disponível para todos os seus cidadãos”, comenta.
Conquista
A ONG Artigo XIX, que coordena a campanha “Informação é um Direito Seu”, elogiou a rejeição das sugestões do senador Fernando Collor, que comprometiam o caráter original da proposta.
“O PL traz uma série de temas que passarão a ser obrigatoriamente publicados nas páginas web dos órgãos públicos, cria um serviço de informação ao cidadão em todo órgão, assim como estabelece uma série de exigências relacionadas à divulgação de dados em formato aberto e acessível tanto pelo cidadão quanto por máquinas”, destaca Paula Martins, uma das diretores da entidade.
Ela destaca que ainda há muito a ser feito. Um dos principais desafios é assegurar a implementação nos 26 estados e no Distrito Federal e nos 5.565 municípios. Para isso, é necessária uma campanha de conscientização para esclarecer a população sobre os novos direitos aprovados e iniciativas para treinar os servidores públicos para atenderem às demandas dos cidadãos.
De acordo com a presidenta Dilma Rousseff, a lei entra em vigor nos próximos dias.