Decisão do STJ favorável ao Mercado Livre antecede cautelar da Anatel, mas divide especialistas
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou nesta segunda-feira, 16, uma decisão da Terceira Turma da Corte no sentido de que marketplaces não são obrigados a excluir anúncios que foram denunciados pelos usuários pela falta de certificação de qualidade, o que violaria os termos de uso da plataforma. O Tele.Síntese ouviu diferentes interpretações sobre como o precedente poderia impactar determinações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que envolve a remoção de itens sem homologação do órgão.
O julgamento em questão ocorreu na Terceira Turma do STJ, no final de abril, e já transitou em julgado (não cabe mais recursos na Corte), apesar da repercussão tardia. O caso em questão envolve o anúncio no Mercado Livre de colchões sem o registro no INMETRO. A denúncia foi realizada por um fabricante que segue as regras de certificação e apontou que a plataforma permite a venda de outras marcas que estariam “irregulares” por não conter o registro de qualidade, de acordo com os termos de uso do próprio marketplace.
Paulo Maximilian, sócio da área de Resolução de Disputas e Arbitragem do Gaia Silva Gaede Advogados, destaca que entre os principais trechos da decisão, relatada pela ministra Nancy Andrighi, está o entendimento de que “sites intermediadores do comércio eletrônico enquadram-se na categoria dos provedores de aplicações, os quais são responsáveis por disponibilizar na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação”. Sendo assim, “salvo as exceções previstas em lei, os provedores de aplicações apenas respondem, subsidiariamente, por danos gerados em decorrência de conteúdo publicado por terceiro após o desatendimento de ordem judicial específica”, conforme Artigo 19 do Marco Civil da Internet.
A ministra acrescentou ainda que com a exigência de decisão judicial prevista no Marco Civil “busca-se evitar o abuso por parte dos usuários notificantes, o monitoramento prévio, a censura privada e remoções irrefletidas“, por tanto “não é possível impor aos sites de intermediação a responsabilidade de realizar a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos”.
A decisão do STJ considera, ainda, que “a proteção plena (retirada imediata de conteúdo mediante notificação) somente poderia ser exigida, na via de exceção, se estivesse ocorrendo violações a direitos da personalidade e, em não sendo essa a hipótese, é necessário, sempre, ouvir as alegações da contraparte”.
Considerando as conclusões do voto, que foi seguido por unanimidade, Maximilian entende que “o que restou decidido pela 3ª Turma no caso da venda de colchões, pode (embora não haja vinculação obrigatória) ser aplicado também à venda de celulares ou quaisquer outros produtos”.
A visão do especialista João Fábio Azevedo e Azeredo, sócio de Moraes Pitombo Advogados, é diferente. ” É possível que, no âmbito do processo judicial, se reconheça que a decisão da Anatel excedeu as suas atribuições legais, mas há, em princípio, presunção de legalidade de sua conduta”.
Azeredo explica que o caso da Anatel é diferente por se tratar de equipamento o qual tem competência para regular. “Dessa forma, a lógica da decisão do STJ, que reconheceu a impossibilidade de remoção de anúncios baseada no requerimento de empresa privada no caso dos colchões, não se aplica à decisão administrativa proferida por agência estatal com atribuição legal de fiscalização desse mercado”, avalia.
A análise de Marcelo Roitman, sócio do PLKC vai no mesmo sentido de que a atribuição legal da Anatel é um fator diferente comparado ao precedente do STJ em questão. “Como a Anatel é uma agência, que tem competência – embora o Mercado Livre esteja contestando essa competência para regular a venda de aparelhos celulares – é ju00stamente por essa competência que ela pode aplicar as sanções”, disse.
Marketplaces
A cautelar da Anatel que mandou marketplaces banirem anúncios de smartphones não homologados pela agência ocorreu, inclusive, após a decisão do STJ. O despacho da reguladora se deu em junho deste ano.
Além do Mercado Livre, a decisão citou outras plataformas, como a Amazon, Americanas, Casas Bahia, Carrefour, Magazine Luiza e Shopee. À época, houve a judicialização do caso, com diferentes decisões, parte favoráveis aos marketplaces e parte contrária.
Carolina Cruz, Tele Síntese, 16 de setembro de 2024