E os conselhos estaduais de comunicação social?
A aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1491/14, de autoria dos deputados Mendonça Filho e Ronaldo Caiado, ambos do DEM, anulando o decreto nº 8.243 de 23 de maio, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS), dois dias após o segundo turno das eleições presidenciais, constitui um fato político que não pode ser menosprezado.
Mesmo que se possa explicar a colocação da matéria na pauta de votação e os votos favoráveis à sua aprovação como descontentamento pontual de deputados que teriam sido preteridos pelo governo Dilma Rousseff na campanha eleitoral, a aprovação do PDC 1491/14 certamente oferece uma pista importante sobre o pensamento predominante, entre parlamentares brasileiros, sobre a ampliação da participação popular no processo democrático (ver “Por que a mídia é contra o Decreto nº 8.243“).
O tema é central no debate democrático contemporâneo e não se reduz à polêmica “democracia representativa” versus “democracia participativa”. Na verdade, ele esconde um viés antipopular que não só desfigura a democracia como pode estar até mesmo na raiz do ódio e do preconceito que afloram em processos eleitorais demarcados por políticas públicas de inclusão econômica e social (cf. Jacques Rancière, O ódio à democracia, Boitempo, 2014).
Retorno, todavia, ao tema da participação democrática para tratar de uma questão sempre esquecida na lista de prioridades de partidos, entidades e movimentos sociais: os conselhos estaduais de comunicação social (CECS).
Resultados eleitorais
Obedecendo ao princípio constitucional da simetria, nove das vinte e seis Constituições Estaduais – Amazonas, Pará, Alagoas, Bahia, Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – e a lei orgânica do Distrito Federal, incluíram a criação dos CECS quando se adaptaram à Constituição Federal de 1988 (cf. Venício A. de Lima, “Conselhos Estaduais de Comunicação – a interdição de um instrumento de democracia participativa“, FNDC, 2013).
Apesar de resultarem de processos sociais de construção radicalmente distintos, até hoje, apenas na Bahia e Alagoas foram instalados esses conselhos. As eleições para governadores e deputados estaduais sempre renovam as esperanças de que o tema possa ser retomado e que, finalmente, os CECS possam ser instalados e funcionem em outras unidades da Federação.
Será que os resultados eleitorais nos estados em 2014 autorizam otimismo comparativo em relação às situações anteriores no que se refere à possibilidade de instalação dos CECS?
Balanço provisório
Das unidades da Federação onde os CECS estão previstos nas constituições, Rio Grande do Sul e Distrito Federal foram aquelas onde mais se avançou nos últimos anos.
No RS, apesar do comprometimento do governo gaúcho (PT) na construção de um projeto de lei, não se logrou condições sequer de seu envio à Assembleia Legislativa. No DF, apesar de compromisso assumido publicamente, o governo (PT) não enviou para apreciação na Câmara Distrital o projeto a ele oferecido pelos movimentos sociais.
Não se sabe de avanços concretos no Amazonas, no Pará, na Paraíba, em Goiás, em Minas Gerais, nem no Rio de Janeiro.
Com as eleições de 2014, considerado o histórico dos partidos dos governadores eleitos e a composição das Assembleias Legislativas, não se espera avanços no Amazonas (PROS), no Pará (PSDB), em Goiás (PSDB), no Rio de Janeiro (PMDB) ou no Rio Grande do Sul (PMDB). Em Minas Gerais existe a possibilidade de apoio do governador eleito (PT), mas ele não obteve maioria na Assembleia Legislativa. Da mesma forma na Paraíba (PSB) e no Distrito Federal (PSB), sendo que no primeiro caso o governador terá maioria na Assembleia.
Estados onde os CECS não estão previstos na Constituição, mas já houve importante mobilização social para sua criação – Ceará e Piauí –, elegeram governadores (PT) que poderão apoiar sua criação, sendo que o primeiro terá maioria na Assembleia Legislativa. Há ainda expectativa favorável em relação ao governador eleito no Maranhão (PCdoB), embora ele não tenha obtido maioria na Assembleia Legislativa.
Nos demais estados o tema dependerá, exclusivamente, da mobilização e da consciência dos movimentos sociais.
A mudança virá das ruas
Há alguns anos tenho afirmado que cada dia que passa, aumenta o número de brasileiros que se dá conta do imenso poder que ainda está nas mãos dos oligopólios da grande mídia e que, historicamente, sonegam e distorcem as vozes e os interesses de milhões de outros brasileiros (ver aqui).
O episódio envolvendo a revista Veja e outros grupos na última semana antes do segundo turno das eleições de 2014 certamente constitui um exemplo contundente desse poder, ao mesmo tempo em que a aprovação do PDC 1491/14 confirma o descolamento crescente entre a representação parlamentar e os movimentos sociais.
O aumento da consciência que vem das ruas explica as pequenas e importantes vitórias que a sociedade civil organizada começa finalmente a construir em níveis estadual e local, inclusive na construção de conselhos estaduais de comunicação social.
Esse parece ser o único caminho possível para a democratização da comunicação no nosso país: a consciência da cidadania. Esse caminho independe da vontade da grande mídia e de seus parceiros e defensores. Esses continuarão mais distantes das vozes excluídas, cada vez mais difíceis de controlar.