Jornalismo de insinuação
Pois é, a imprensa brasileira, que tanto se orgulha de sua militância investigativa (em muitos casos, justo orgulho), é dona também de uma forma de jornalismo menos nobre e, às vezes, mais perniciosa do que o denuncismo leviano que já resultou em verdadeiros dramas pessoais para inocentes. Trata-se, agora, não do jornalismo de investigação, mas do jornalismo de insinuação.Na revista IstoÉ nº 1.584, de 9 de fevereiro, há dois exemplares deste tipo de jornalismo, um mais exemplificador do que outro.
O primeiro é a reportagem “A guerra do canudo” (pp. 38-43), sobre acusações de favorecimento de universidades particulares, que pesam sobre o Ministério da Educação e sobre o Conselho Nacional de Educação.
A matéria prestaria um grande serviço ao bem público se não fosse toda ela feita muito mais de promessas de denúncias do que de denúncias propriamente ditas. O relato dos fatos é, em geral, feito em discurso indireto e todo ele modalizado de maneira a permitir que a revista diga o que quer dizer, sem se comprometer inteiramente com a verdade do que é dito, isentando-se, dessa forma, de oferecer provas caso estas viessem a ser solicitadas. É um disse-que-disse que levanta a lebre, mas não deixa ver com clareza se se trata mesmo do bicho, ou se não estamos comendo gato por lebre.
Desse modo, a reportagem soa como aviso, como ameaça de dizer mais, como anúncio do que poderá ou não vir na seqüência, mas não como descrição objetiva e factual de uma situação cuja clareza e esclarecimento interessam sobremaneira à sociedade brasileira.
Beirando a fofoca
O que não pode é ficar nas meias palavras, que estas sim são mais corrosivas que o ácido da maledicência direta e mais perturbadoras da fé pública que a identificação direta de um erro, o que sempre permite sua correção e o acerto de rumos necessário ao bom desempenho de um órgão, cujo trabalho vem produzindo resultados muito positivos para a educação no Brasil.
O segundo exemplo deste raro espécime de jornalismo é ainda mais espetacular e, por isso, mais constrangedor.
Na reportagem “Barrado na festa” (pp. 30-32), sobre o inferno astral do ministro Rafael Greca, pelas denúncias de envolvimento com a máfia dos bingos, há um box intitulado “Combate ao clima hostil” que, independentemente do grau de comprometimento do ministro com a verdade das denúncias que pesam sobre ele, é uma pérola de insinuações sobre sua vida pessoal. Sob o pretexto maldoso de mostrar Rafael Greca como uma pessoa afável, benquista e querendo bem seus funcionários, as três colunas que compõem o box carregam na maledicência displicente que, se fica bem e é divertida numa conversa de bar, soa pesada e inconveniente posta assim, numa revista de notícias, querendo fazer graça de salão ou de botequim na sala de estar do leitor, para onde o repórter piadista não havia sequer sido convidado.
Que as investigações sobre o ministro dos Esportes e seus assessores continuem e sejam informadas pela imprensa é bom e é saudável para as instituições e para a sociedade como um todo. Que a notícia beire a fofoca não é bom, nem é saudável para as instituições, para a sociedade e menos ainda para a imprensa.