A elite e as batatas nas telecomunicações

fev 8, 2022 by

No livro Quincas Borba, de Machado de Assis, o personagem principal, Quincas, faz a seguinte reflexão: “supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Ou seja: aos vitoriosos, tudo. Aos outros só resta a aceitação, a resignação.

Transpondo essa teoria para os dias de hoje poderíamos escrever duzentas páginas com exemplos, o que com certeza chatearia e muito você leitor. Vamos apenas citar dois, recentes.

Primeiro. As grandes plataformas, as chamadas big techs que controlam praticamente toda a nossa vida, nossos gostos, nossos desejos. Esse controle total foi denunciando pela ex-funcionária do Facebook, Frances Haugen, ao afirmar que “o Facebook sabia que seus sites eram potencialmente prejudiciais para a saúde mental dos jovens. Contribuiu para aumentar a polarização online ao fazer alterações em seu algoritmo de conteúdo e falhou em tomar medidas para reduzir boatos contra vacinas. (…) As regras de moderação favorecem as elites”.

O segundo exemplo é a elite econômica brasileira. Poderíamos destacar banqueiros, amplos setores do agronegócio, mas vamos “saudar” as grandes operadoras de telecomunicações. Em plena pandemia, o presidente da Vivo, Christian Gebara, ao justificar a negativa para o acesso gratuito à internet em comunidades de baixa renda disse: “não é o momento de lançar nenhuma ação que possa ter um caráter competitivo”. Mentira! Qual competição se Vivo, Claro, TIM e Oi dominam 60% do mercado de banda larga? Ficam com todas as batatas e que se dane a maior parte da população, excluída econômica e digitalmente.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), o rendimento médio mensal do 1% da população mais rica do país é 33,8 vezes maior do que a renda média mensal dos 50% mais pobres. Trata-se de uma elite sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do Brasil.

Nós, do Instituto Telecom, não concordamos com a solução de guerra, de que os vencedores fiquem com todas as batatas. Temos que mudar esses valores. Desejamos e cobramos uma sociedade que se movimente não pela competição desenfreada e a imposição da miséria, mas sim pela solidariedade, pela igualdade, pelo amor, não pelo ódio.

Em 2022 continuaremos insistindo: com o crescimento espetacular da produtividade temos que ter uma nova divisão das batatas. Para isso, nós, em conjunto com o Clube de Engenharia, o Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC), a Coalizão Direitos na Rede (CDR) lutaremos:

1) Pela redução das tarifas de telecomunicações

2) Por banda larga prestada em regime público e para todos

3) Por um novo marco regulatório para as (tele)comunicações

4) Por banda larga nas escolas e nas casas de todos, em particular das camadas mais excluídas da nossa sociedade. As concessionárias, principalmente Oi e Vivo, descumprem a obrigação contratual de colocarem nas escolas públicas urbanas banda larga gratuita e de qualidade com a mesma velocidade comercialmente oferecida na localidade. Por contrato, isso já deveria estar ocorrendo desde 2010.

5) Pela transparência e regulação dos meios de comunicação e das chamadas big techs Facebook, Whatsapp, Alphabet (dona do Google e do YouTube), Amazon, Microsoft, Apple, Twitter.

6) Pelo cumprimento das obrigações relativas ao 4G e ao 5G.

Instituto Telecom, Terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

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