Nossa Opinião: A solidão dos conectados
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O baixo índice de universalização da banda larga no Brasil é um dos exemplos do fracasso da privatização das telecomunicações em nosso país.
Segundo o Censo Escolar de 2023, e dados da Anatel, só 5% das escolas urbanas recebem velocidades médias acima de 50 Mbps, velocidade recomendada pelo Tribunal de Contas da União. Na área rural a situação é ainda mais caótica. Apenas 4% recebem velocidades médias acima de 10 Mbps.
Isso sem falar nos preços absurdos pagos para contratação da banda larga para empresas, residencial ou celular.
Ao lado desse cenário há uma questão a ser posta em evidência: a saúde emocional como consequência da dependência tecnológica. Esse tema tem sido objeto de análise de vários especialistas.
Para a economista britânica Noreena Hertz “a hiperconectividade, o uso excessivo de telas e de redes sociais e o vício em uma vida quase 100% digital são causadores de ansiedade e outras dores psíquicas especialmente entre os jovens – e solidão”. Ela afirma que “as redes sociais e a Internet, que se assentam na compulsividade temática dos seus algoritmos, levam ainda mais a extremos as posições dessas pessoas, também porque muitas vezes a sua ‘comunidade’ não é real, mas sim online. Resultado: os populistas conseguem conquistá-los com muito mais facilidade do que outros políticos”.
O sociólogo Paulo Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, observa que “estamos falando de uma sociedade onde há muito ruído e pouco silêncio. As telas nos conectam a muitos, mas afastam da presença verdadeira”
Já o psicoterapeuta Flávio Cordeiro analisa que “confundimos conexão tecnológica com conexão afetiva: elas às vezes coincidem, frequentemente não. A solidão não diz respeito ao número de pessoas que você conhece ou interage, mas sim à qualidade dessa interação”.
Byung-Chul, filósofo sul-coreano, ressalta que “a conectividade constante nas redes sociais cria uma ‘solidão em massa’. E Pedro Luiz de Santi, psicanalista, destaca que “uma das maiores capacidades de saúde mental é aprender a estar só (solitude), algo que começa na infância. Em um mundo de crianças hiperconectadas, que entram em desespero quando desconectadas, surgem adultos dependentes de redes sociais ou de outros relacionamentos abusivos, fruto da incapacidade de estar sozinho”.
Dados da SaferNet, organização social criadora e mantenedora da Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos, mostram que em 2024 houve várias denúncias de crimes em ambientes digitais.
1) Abuso e exploração sexual infantil – 53 mil denúncias
2) Xenofobia – 3,5 mil
3) Violência contra mulher – 2,7 mil
4) Racismo – 2 mil
5) Intolerância religiosa – 1 mil
6) LGTFobia – 1,5mil
7) Outros: 4,7 mil.
E quais as soluções para esse quadro?
Uma delas é dada pela economista Noreena Hertz: “há startups tentando usar a tecnologia para oferecer conexões mais significativas. Algumas das mais promissoras são aquelas que ajudam a conectar as pessoas no mundo real”.
E como as forças progressistas podem reagir em relação a um mundo cada vez mais de extremismos e ódios? Noreena responde: “para além de conteúdos como a luta contra as desigualdades e um freio ao neoliberalismo extremo, a centro-esquerda e a esquerda devem aprender a falar a mesma língua que os populistas. E isso com emoções, empatia. Não apenas com fatos. Que são importantes, é claro. Mas hoje, mais do que no passado, as emoções são decisivas”.
No Brasil em que a desigualdade social, a exclusão digital, a solidão se combinam de forma paradoxal e perturbadora temos que, ao mesmo tempo que lutamos pela universalização da banda larga e a regulação das grandes plataformas, não colocar em segundo plano a saúde emocional. Esta pode ser mais uma das facetas do individualismo exacerbado; da polarização cultural, econômica social e política como diz Noreena no livro “O século da solidão”.
Vamos ao debate!
Instituto Telecom, Terça-feira, 18 de fevereiro de 2025
Marcello Miranda, especialista em Telecom