Nossa Opinião: Carta Aberta da Coalizão Direitos na Rede ao Ministério das Comunicações
“A importância de políticas públicas de inclusão digital e promoção da soberania tecnológica
Organizações da sociedade civil e comunidade científica-tecnológica brasileira manifestam sua profunda preocupação em relação ao estado atual da soberania tecnológica e da inclusão digital no Brasil. A recente crise envolvendo a empresa Starlink expôs de forma alarmante a vulnerabilidade do país frente à dependência de poucos conglomerados estrangeiros para o acesso à Internet. A situação é alarmante: o Brasil não possui uma política nacional articulada de inclusão digital, há uma lacuna de oferta de conectividade em diversos territórios do país e uma dependência tecnológica de empresas estrangeiras, constituindo uma barreira à garantia dos direitos fundamentais.
O episódio ocorrido em setembro de 2024, em que a Starlink desrespeitou uma decisão judicial, é um claro indicativo de como a falta de uma política nacional de inclusão digital e de soberania tecnológica somada à atual distorção no uso dos recursos públicos do Fust e dos bens reversíveis atrelados à transição do regime de concessão para autorização dos serviços de telecomunicações comprometem a segurança, estabilidade e proteção dos direitos fundamentais da população e da nossa infraestrutura crítica de Internet.
Tamanha dependência da Starlink também afeta o processo de tomada de decisão dos poderes públicos, que se tornam reféns das consequências negativas de uma eventual suspensão do serviço.
O longo histórico de subalternidade do Brasil em relação a empresas estrangeiras que operam em setores estratégicos, como o de telecomunicações, coloca em risco áreas rurais e urbanas onde vivem as populações vulnerabilizadas, como classes D e E, pessoas negras, populações indígenas e comunidades tradicionais, que vivem em lugares remotos. Órgãos públicos do governo federal como o Exército, a Marinha, os Ministérios da Saúde e Educação, além da Petrobrás, Funai e Ufam (Universidade Federal do Amazonas), que também fazem uso da tecnologia oferecida pela Starlink, acabam expostos e suscetíveis às políticas da empresa.
A concentração de propriedade de diferentes serviços, em especial o serviço de internet via satélite, nas mãos de um mesmo dono precisa ser objeto de limitações impostas pela sociedade e pelo Estado. Essa situação exige uma ação imediata e coordenada para que o Brasil trace uma estratégia pública para recuperar e fortalecer sua autonomia tecnológica.
Diante deste cenário, é urgente que o Ministério das Comunicações exerça suas competências legalmente estabelecidas e contribua efetivamente para a construção de uma política nacional de inclusão digital, que garanta o acesso universal e equitativo à Internet, além de garantir o uso social das redes na política de telecomunicações em todas as regiões do Brasil. O próprio governo federal reconhece essa necessidade. Basta retomarmos a mensagem presidencial do Plano Plurianual (PPA) 2024 – 2027, que afirma que “embora a prestação dos serviços de telecomunicações seja de ordem privada, configura-se também de interesse público e constitucionalmente de responsabilidade do Estado, que deve agir com vistas à universalização e à qualidade dos serviços”. Em junho de 2023 foi publicado decreto presidencial que cria um grupo de trabalho interministerial para elaboração de uma política nacional de inclusão digital. No entanto, após mais de um ano, o grupo de trabalho ainda não foi instalado.
O cenário atual em termos de política pública é marcado pela descoordenação e ineficiência, sendo imperativa a instalação do grupo de trabalho para o início da construção de uma política de âmbito nacional capaz de suprir as necessidades da população de maneira independente, evitando a submissão aos interesses de corporações estrangeiras.
Além disso, é crucial que o Brasil desenvolva uma política de soberania tecnológica que promova o desenvolvimento de tecnologias nacionais. Isso inclui investimentos em pesquisa e desenvolvimento, incentivos à inovação, articulação entre os ministérios e a criação de parcerias estratégicas com empresas, instituições de ensino nacionais e organizações que desenvolvam tecnologias de conectividade centrada em comunidades. A soberania tecnológica não deve ser vista apenas como uma questão de segurança nacional, mas também como uma condição essencial para o desenvolvimento sustentável e inclusivo do país.
Portanto, instamos o Ministério das Comunicações a considerar a gravidade da situação e a necessidade de uma atuação que promova o interesse social e popular na agenda de conectividade. A construção de uma política nacional de inclusão digital e soberania tecnológica não é apenas uma resposta às crises atuais, mas também um passo essencial para assegurar que o Brasil possa enfrentar os desafios futuros de maneira justa, colaborativa e democrática”.
Instituto Telecom, Terça-feira, 17 de setembro de 2024