Competição não leva à universalização
Apesar das reiteradas promessas de melhorias no serviço de internet no país, o governo ainda insiste num erro grave: defender que a competição é que levará à universalização da banda larga.
Na semana passada, enquanto o mundo avançava na discussão da banda larga com o lançamento do documento Direitos e Princípios para Internet (Internet Rights and Principles) que trata da regulação da rede com base nos direitos humanos, no Brasil a luta ainda é pelo acesso ao serviço de banda larga. Um direito básico ainda distante na vida da população.
Desde o lançamento do Plano Nacional de Banda Larga, em maio do ano passado, muitas promessas importantes foram feitas, mas pouco se avançou para a democratização da internet. O próprio Fórum Brasil Conectado, criado pelo governo para debater as ações do PNBL com a sociedade, menos de um ano depois já se encontra desarticulado.
De lá para cá, o que vimos foi uma sucessão de equívocos. O principal deles é o alinhamento do governo ao discurso pró-mercado das concessionárias, defendendo que a meta é a massificação e não a universalização da banda larga.
O presidente da Telebrás, Rogério Santanna, em seminário sobre a internet promovido pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), na última semana, chegou a afirmar que só a competição garante a universalização da banda larga.
Mais um erro grave: vincular universalização ao sucesso da competição. Universalização e exercício da atividade econômica em regime de livre mercado são conceitos que pertencem a lógicas de comportamento econômico opostas. Embora possam conviver de forma equilibrada por um certo tempo, em algum momento se tornam excludentes.
O discurso da competição como caminho para a universalização não tem nada de novo. Ele copia a Exposição de Motivos da Lei Geral das Telecomunicações, encaminhada pelo ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta, no dia 10 de dezembro de 1996, ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. O documento afirmava que o novo modelo de exploração dos serviços de telecomunicações se basearia na competição, visando “o benefício do usuário e o aumento da produtividade da economia brasileira”. A ideia era de que se formariam mercados competitivos e com maior concorrência os preços seriam reduzidos.
O que se constata, contudo, é que o nível de universalização alcançado na telefonia fixa não tem nada a ver com a competição e, sim, com as metas estabelecidas no Plano Geral de Metas de Universalização.
Mais medidas inconsistentes
Para piorar as perspectivas de melhoria da banda larga brasileira, desta vez o Plano Geral de Metas de Universalização III não incluiu as metas de universalização para internet acordadas no último PGMU. E o que poderia ter sido mais um instrumento de universalização acabou retrocedendo com a retirada das cláusulas destinadas à banda larga.
O Instituto Telecom vem alertando, já há algum tempo, para a situação crítica da banda larga do país. Cara, concentrada e uma das piores do mundo. Realidade claramente demonstrada pelo estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), divulgado no dia 28 de março e que mostrou resultados extremamente preocupantes.
Para se ter uma ideia, a conexão de internet em banda larga, por cabo, com velocidade de 1 Mbps custa no Brasil R$ 70,85 (US$ 42,73) mensais. De acordo com o estudo, o mesmo serviço custa US$ 9,30 (R$ 15,41) mensais na Alemanha; US$ 12,40 (R$ 20,55) em Taiwan; US$ 28,60 (R$ 47,40) no Canadá; US$ 36 (R$ 59,66) na Suíça e uma média de US$ 40 (R$ 66,29) nos Estados Unidos. Quanto ao acesso à internet sem fio, com velocidade de 1 Mbps, o valor cobrado está em torno de R$ 109,82.
Outro problema em vista é a possível aprovação do Projeto de Lei 1481/07, de autoria do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que propõe transferir parte dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) para serviços privados, com o objetivo de financiar a banda larga. Se isso acontecer, vai beneficiar diretamente a iniciativa privada que poderá continuar atuando principalmente nas áreas mais ricas da sociedade e o Estado, através da Telebrás, será o único obrigado a responder às demandas das camadas mais carentes.
Seria o melhor dos mundos para as operadoras que poderiam utilizar o Fust para as suas próprias redes, não teriam nenhuma obrigação de universalização e no final dos contratos de concessão devolveriam ao Estado apenas uma rede sem valor e obsoleta.
A verdade é que se dependesse apenas da competição estaríamos em patamares ainda mais baixos de penetração da telefonia fixa.
A única possibilidade de termos a universalização da banda larga é através do serviço prestado em regime público. Caso contrário, as operadoras continuam sem ter nenhuma obrigação de universalização. Mas, enquanto o governo não toma medidas efetivas para mudar essa realidade, a população continua amargando mais esta exclusão.