Justiça digital e a elite das telecomunicações.
Segundo Adriano Codato, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, elite “é um conceito que descreve um grupo minoritário que controla, às vezes em regime de monopólio às vezes não, as principais posições de poder ou de prestígio numa determinada sociedade”. Pois a elite brasileira foi considerada pelo Elite Quality Report 2020 uma das piores do mundo.
O Elity Quality é um índice de economia política que, baseado em indicadores, avalia a propensão das elites dos países a gerar valor para a sociedade, ao invés de basear-se no parasitismo para manter seu ganho de renda. Para chegar ao ranking de 2020 foram analisados 72 indicadores em 32 países. A elite brasileira foi a sexta pior, atrás apenas da Turquia, Nigéria, África do Sul, Argentina e Egito.
E quem compõe essa elite brasileira? Banqueiros, amplos setores do agronegócio, as grandes operadoras de telecomunicações, entre outros.
Em evento recente, um representante da elite das telecomunicações, o presidente executivo da Conexis (que representa as grandes operadoras do Brasil) Marcos Ferrari, utilizou a expressão “justiça digital” para se referir a possível redução do ICMS sobre os serviços de telecomunicações. Mas, que justiça digital, se as operadoras de telecomunicações nunca demonstraram nenhuma preocupação com justiça, muito menos pela digital? Sempre estiveram alinhadas com os valores da elite brasileira.
Vejamos.
1) Acesso à internet banda larga – Insumo essencial para a saúde, segurança, educação, o acesso à internet no Brasil é um total desastre. Os dados da pesquisa TIC Domicílios do CETIC.br 2019 dão ideia do tamanho do fosso digital que existe em nosso país. Entre os indivíduos das classes A (99%) e B (95%), o uso de Internet era quase universal, ao passo que entre os indivíduos das classes D e E a parcela de usuários de Internet era de 50%. No Brasil, o controle da infraestrutura de rede é feito pelas irmãs Vivo, Claro, TIM e Oi. Concentram mais de 60% de toda banda larga, redes de celular, TV por assinatura. No que elas ajudaram para reduzir a desigualdade digital?
2) Doação dos bens reversíveis – Patrimônio público de R$ 121,6 bilhões e fundamental para que a União garanta a continuidade dos serviços de telecomunicações, os bens reversíveis estão sendo praticamente doados pela Anatel às concessionárias. Esse fato foi destacado no Acórdão nº 2142/2019 do TCU, que diz: “a Anatel descumpriu praticamente a íntegra de suas obrigações legais e contratuais, no que se refere ao controle dos bens reversíveis do STFC, desconsiderando o patrimônio público de R$ 121,6 bilhões, gerido pelas concessionárias”. Portanto, se apropriam de recursos do Estado, dificultando a execução de políticas públicas, para beneficiar única e exclusivamente seus proprietários.
3) Banda Larga nas escolas – As concessionárias, principalmente Oi e Vivo, descumprem a obrigação contratual de colocarem nas escolas públicas urbanas banda larga gratuita e de qualidade com a mesma velocidade comercialmente oferecida na localidade. Por contrato, isso já deveria estar ocorrendo desde 2010. Cadê a justiça digital?
4) Leilão do 5G – O Brasil, com o 3G e o 4G, manteve uma grande desigualdade/exclusão digital, um gap digital. Essas pessoas serão incluídas no mundo digital com o 5G? Tudo indica que não. Devido ao modelo de leilão escolhido, essa tecnologia vai ficar muito distante da população de baixa renda e poderá agravar a exclusão digital. Além disso, não assumiram nenhuma obrigação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor. Os maiores favorecidos no leilão foram a Vivo, a Claro, a TIM.
5) Trabalhadores em home office – No Brasil, as grandes operadoras colocaram boa parte de seus trabalhadores em home office, mas não pagam um centavo pelos gastos com internet e energia elétrica. Você trabalha e tem que pagar, ao invés de receber.
Dessa elite das telecomunicações, que apoiou a eleição do atual presidente da República, não se pode esperar nada além de garantir seus próprios interesses. Não teve e não tem nenhum compromisso com o nosso país, muito menos com os setores mais excluídos digitalmente da nossa sociedade.
Continuemos na luta contra as enormes desigualdades sociais e digitais em que estamos inseridos, responsabilidade de uma elite econômica financeira que sempre esteve de costas para as demandas da maioria da população brasileira.
Instituto Telecom, Terça-feira, 30 de novembro de 2021