Operadoras pedem incentivos a investimentos em debate da governança de Internet
As contribuições de operadoras para o encontro NetMundial, que irá debater a governança da Internet em São Paulo em abril, mostraram semelhança no tom empregado. As europeias Telecom Italia e Telefónica, ambas com subsidiárias no Brasil, ressaltam a necessidade de se levar em consideração as redes móveis (e todo o investimento necessário para promovê-las), que deverão crescer ainda mais em países em desenvolvimento. Por outro lado, as companhias dizem que é necessária uma abertura maior para novos entrantes no modelo multissetorial, o que inclui também a globalização das entidades norte-americanas que controlam os nomes e domínios na rede.
Nas propostas de governança da Internet, a Telecom Italia segue a mesma cartilha de outras entidades com princípios baseados nas recomendações do Conselho da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e no Comitê Gestor de Internet do Brasil (CGI.br), procurando promover uma Internet segura, aberta, confiável e interoperável. Como não poderia deixar de ser, o grupo italiano, controlador da TIM Brasil, pede “políticas que estimulem investimentos sustentáveis e implantação de redes de Internet”.
A companhia recapitula em sua proposta as mudanças na Web ao citar a topologia de rede que, antes, incluía apenas backbones, provedores de Internet (ISPs) e provedores de acesso. “Agora a Internet, como a rede das redes, é caracterizada por uma quantidade de relações de negócios muito mais diversas como, por exemplo, peering privado e redes de entrega de conteúdo”. Portanto, a empresa diz que essas mudanças estão levando para a necessidade de mudanças na padronização para atingir a demanda heterogênea; uma governança mais formal para lidar com isso; migração de funções ao core de rede para “melhorar o gerenciamento da segurança e da congestão”; e a “crescente complexidade de precificação da Internet para suportar novas relações de negócios”.
Entre os pontos defendidos pelos italianos nessa mudança da rede está a importância da telefonia celular. A empresa explica que há uma necessidade de divergir de pressupostos tradicionais de camadas de protocolos em redes móveis para “encarar desafios de uma Internet mais dinâmica e heterogênea guiada por aplicações móveis”.
Globalização
A Telecom Italia critica o modelo atual de governança ao dizer que a natureza aberta do processo multissetorial permite que a visão de um participante seja conhecida, mas não necessariamente levada em conta. A empresa diz que “evangelistas da Internet”, como representantes de países em desenvolvimento ou entidades como o Fórum de Governança da Internet (IGF) e o ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), trariam riscos de influência ao processo atual. “Dessa forma, um esforço maior é requisitado por todas as partes para melhorar e tornar esse processo mais bem sucedido”.
A empresa lembra de recentes iniciativas de interferência de governos na característica aberta da Internet, como no caso do governo norte-americano em 2011 com a SOPA (proposta de lei de direitos autorais americana) e a PIPA (proposta de combate à pirataria em sites). “Procurar por uma proposta unitária de governança poderia levar apenas a um indesejável denominador menos comum”.
A Telecom Italia sugere que o sistema atual de governança permita uma interoperação mais forte entre os setores, o que chama de “modelo multissetorial com geometria variável”. Ou seja: um stakeholder ou uma coalizão de setores poderia tomar à frente do processo de governança de acordo com a natureza do assunto: padronizações (setor privado), questões de Internet relevantes a comunidades em particular (sociedade civil) e direitos humanos (governo). Na visão do grupo italiano, o processo de equiparação poderia ser facilitado com a criação de um comitê ad hoc que poderia sugerir uma instituição “mais de acordo”.
Como elementos do roadmap sugerido para ser apresentado no evento, além da proposta de abordagem “de geometria variável”, está: uma definição de prazo para globalizar funções do ICANN e do IANA (Internet Assigned Numbers Authority, entidade que coordena DNS, endereço de IP e outros protocolos) que asseguram a estabilidade, segurança e resiliência da Internet; e comprometimento para fortalecer o papel do IGF, incluindo mecanismos para financiar melhor a instituição.
Telefónica
Assim como a Telecom Italia, a Telefónica ressalta também a importância das redes móveis, bem como seu crescimento e conseguinte necessidade de aumento da infraestrutura. “Hoje, usuários de Internet são na maioria de economias emergentes e acessam a Internet via dispositivos móveis, então isso deveria também ser refletido na maneira como a Internet é governada”, diz a proposta. A mensagem é a mesma dos italianos: que as políticas de governança “permitam aos operadores continuarem a investir em novas redes e infraestrutura”. Outra justificativa é a necessidade de estabilidade e previsibilidade regulatória para permitir investimentos de longo prazo.
A companhia, controladora da Telefônica/Vivo, diz que o evento precisa levar as entidades a um acordo para o primeiro passo para a evolução do modelo de governança de Internet utilizando a base de princípios já existentes. “A Telefónica acredita que encontrar tal consenso global na governança da Internet seria crucial para resgatar a confiança e segurança dos usuários e Estados na Internet e criar a base para um crescimento sustentável”.
De certa forma diferente do proposto pela Telecom Italia, a companhia espanhola sugere que o modelo não permita que um stakeholder ou um grupo setorial domine, deixando todos com igual poder de participação “de acordo com seus respectivos papéis; incluindo também governos em seus papéis reconhecidos como representantes da sociedade para a definição de políticas públicas em nível nacional e internacional”. A Telefónica afirma que os mecanismos atuais para assuntos técnicos e operacionais da Internet têm “sido provados como um sistema notavelmente estável e resiliente e que a comunidade técnica e o setor privado deveriam permanecer em seus papéis de gerenciamento da Internet global e interconectada dia a dia”.
A companhia explica que a proteção à privacidade e segurança dos usuários é um assunto “muito mais controverso e difícil” e que deveria ser abordada em níveis global e local. O grupo espanhol diz que talvez seja necessário usar o princípio de subsidiariedade para determinar que pontos precisam ser tratados globalmente e quais precisam ser tratados por stakeholders locais. E, assim como a Telecom Italia, a empresa acredita que o ICANN e o IANA “precisam ser globalizados” dada a natureza da Internet atual. Contrário ao que sugere a fabricante de chipsets Intel, a proposta espanhola é que o NETmundial seja usado para que “o processo adequado e as maneiras para alcançar essa meta o quanto antes, de um ponto de vista legal e técnico e sem colocar em risco a estabilidade da Internet, deveriam ser definidas no evento também”.
A Telefónica acredita que o evento deveria determinar áreas de mais urgência para o assunto e, aí sim, definir um roadmap para a efetivação das mudanças acordadas.
Deutsche Telekom
Por sua vez, a Deutsche Telekom aborda a necessidade de restabelecer a confiança na Internet e em aplicar a Lei na rede. “Segurança, proteção de dados, privacidade e a regra da lei no mundo online são cruciais para garantir a sustentabilidade de todo o ecossistema”, diz o texto. Da mesma forma como as demais, a operadora alemã reforça a importância de investimentos em redes móveis, que serão as responsáveis pela conectividade em países emergentes. “Isso parece ser considerado trivial, sem honrar os esforços e significativos investimentos feitos por operadoras de rede ou mesmo ignorando as economias implícitas”, reclama o documento.
A Deutsche Telekom ainda alfineta o atual modelo dos serviços over-the-top (OTT). “O atual estado da economia da Internet é caracterizado por assimetrias significativas entre aqueles que constroem a infraestrutura e aqueles que fazem uso extensivamente comercial dela sem uma contribuição financeira apropriada e proporcional.” É sabido que a operadora tentou deter o avanço dos OTTs na Alemanha recentemente com a limitação de banda (após consumo de franquia) para usuários residenciais para qualquer serviço do tipo que não fosse da própria tele, uma prática que fere os princípios da neutralidade.
Assim como as demais, a operadora alemã sugere a globalização de funções do ICANN e do IANA, estabelecendo uma timeline clara e objetiva ainda durante o evento em São Paulo. A companhia diz que o modelo multissetorial precisa evoluir para obter mais transparência, legitimidade e equilíbrio, e cita um exemplo para desenvolver a governança sustentável. “A evolução da lei de comércio internacional sob o regime GATT pode servir como modelo para isso”, afirma a operadora, citando o modelo de cooperação institucionalizada para reduzir custos.
Orange e Verizon
A francesa Orange tem propostas similares às demais operadoras e, assim como as outras empresas, propõe a revisão do processo para definir o envolvimento legítimo de governos no debate. “A Orange reconhece que governos são fundamentais em assuntos de políticas públicas de Internet de alto impacto como cibersegurança, privacidade, proteção infantil, propriedade intelectual e outros assuntos sociais”, diz o texto. Naturalmente, essa revisão, segundo a tele, precisa levar em consideração o papel das operadoras quando se trata em infraestrutura. A empresa, assim como as operadoras italiana e espanhola, pede pela globalização do ICANN, incluindo a função do IANA de coordenar endereços, que deveria não ter qualquer relação contratual com governos.
Por sua vez, a norte-americana Verizon propõe a promoção de um ambiente que incentive a inovação e o investimento, garantindo uma Web aberta e contínua. A empresa também pede pela redução e eliminação de barreiras desnecessárias para as transações. A operadora também sugere que se instaure políticas transparentes, consistentes e previsíveis, além de tecnologicamente neutras. A companhia ainda apoia o respeito aos direitos humanos, “especialmente aqueles relacionados à liberdade de expressão e do fluxo livre de informação na Internet”.