POR UMA NOVA LEI DE COMUNICAÇÃO
Início da década de 60. Naquele tempo, o Brasil era um país parlamentarista e ainda vivia a euforia pelo bicampeonato mundial de futebol. A tensão política permanecia no ar um ano após uma tentativa de golpe pelos militares – e um ano e meio antes de eles conseguirem efetivá-lo. Os radiodifusores começavam a se organizar e fundavam a Abert para disputar os termos do que viria a ser o novo Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). Sancionado em 27 de agosto de 1962, o Código estabelecia pela primeira vez um marco regulatório organizado para as comunicações.
Sua aprovação tinha dois objetivos principais. Um era modificar o quadro das telecomunicações no país. Ele autorizava a criação da Embratel, dando início à estatização dos serviços de telecomunicações, antes fragmentados nas mãos de pequenas empresas privadas de atuação estadual. O segundo era colocar regras claras para a operação de rádio e TV no Brasil. Considerando o período em que foi aprovado, o CBT era até bem moderno. Combinava a regulamentação de telégrafos, telefonia, rádio e televisão.
O problema é que desde o nascedouro ele foi redigido pelos radiodifusores, e já saiu com a cara de quem pensa a comunicação como negócio, não como direito. Diferentemente da opção feita por países como Estados Unidos, Inglaterra e França, a lei brasileira não trazia nenhum limite à concentração dos meios de comunicação, nem buscava fortalecer um serviço público de rádio e televisão. Pluralismo e diversidade eram termos ausentes e conceitos ignorados.
A radiodifusão brasileira, que nascera pública, consolidava ali o modelo privado que Chateaubriand já tinha imposto ao país. Os poucos limites que o sistema brasileiro tem à concentração viriam por meio de um decreto-lei da ditadura militar, já em 1967; justamente a ditadura que depois incentivaria com recursos públicos da Telebrás o fortalecimento das redes nacionais de televisão.
Desde então, o Código sobreviveu a mais de vinte propostas de modificação, em debates que se iniciaram ainda no final da década de 1970 e passaram por vários governos, inclusive o de Fernando Henrique Cardoso. Ele foi tornado obsoleto pela Constituição Federal de 1988, que incluiu cinco artigos específicos sobre a comunicação e já demandava que o país discutisse uma nova lei geral para o setor. Mas nunca se conseguiu vencer a força dos donos de emissoras de rádio e televisão, que sempre preferiram manter tudo como sempre esteve.
Em 1995, quando se iniciou o debate sobre a privatização da telefonia, viu-se a necessidade de modificar o CBT. Mas, por pressão dos radiodifusores, o governo resolveu separar radiodifusão e telecomunicações. Em um momento de convergência tecnológica, o Brasil pegava a contramão. Em 1997, o Código foi retalhado e sobraram só os artigos relativos à rádio e televisão.
Quinze anos depois, aquele restolho é o que segue dando as regras para a radiodifusão. Não responde à convergência, não respeita a Constituição, não promove a diversidade, não garante o pluralismo e mantém a liberdade de expressão restrita aos donos dos meios de comunicação. Segue representando os valores arcaicos de uma época que o Brasil já deveria ter superado. 50 anos depois, é hora de uma nova lei para um novo tempo.