Setor de telecom defende possibilidade de instituir novos modelos de negócio
Dissecando as propostas de entidades representantes de empresas de telecomunicações para o NetMundial, Reunião Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet que acontecerá nos dias 23 e 24 de abril em São Paulo, fica óbvio o alinhamento na hora de inserir antigas reclamações do setor, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo. Entretanto, um dos documentos submetidos chama a atenção por abordar um tema que é evitado por todas as outras entidades da indústria: a neutralidade de rede.
Adotando os princípios do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br), a Associação Brasileira de Internet (Abranet) defende a adoção de princípios como liberdade, direitos humanos, universalidade e inovação. O ponto no qual a associação realmente difere das propostas de empresas de tecnologia e operadoras de telecomunicações é a clara menção e defesa pela neutralidade. “Filtrar ou privilegiar tráfego deve ser com critérios éticos e técnicos apenas, excluindo qualquer fator político, comercial, religioso ou cultural ou qualquer outra forma de discriminação ou tratamento preferencial”, define o texto.
Outro tema abordado pela Abranet é o de não responsabilizar a rede por atos ilícitos. Segundo a entidade, qualquer ação contra esses crimes “deve ser direcionada àqueles diretamente responsáveis por tais atividades, e não como meio de acesso e transporte, sempre confirmando os princípios de liberdade, privacidade e respeito pelos direitos humanos”. A respeito do modelo de governança de Internet, a entidade também usa a proposta do CGI.br, mas ressalta que é “elementar que o envolvimento do governo no framework da governança seja minoritário, aumentando a participação de organizações da sociedade (meio acadêmico, técnico, setor privado e sociedade civil)” na tomada de decisões que passem por incentivos de participação democrática na rede.
Cobrando espaço
A proposta da GSMA, associação global que representa interesses de operadoras móveis, adota um tom mais agressivo e começa já deixando claro que o setor investiu US$ 1 trilhão nos últimos seis anos em construção de infraestrutura de Internet móvel para 6,97 bilhões de conexões (sendo 3,4 bilhões de assinantes individuais, segundo dados da entidade), e que, por “ser a indústria que sustenta o crescimento da Internet no mundo, a indústria mobile está em uma posição única para contribuir para a evolução das discussões de governança de Internet”. A associação cita ainda que a penetração móvel tem proporcionado crescimento econômico, “especialmente no mundo em desenvolvimento”.
Além disso, a GSMA diz que a indústria está ajudando a expandir a Internet ao facilitar a comunicação máquina-a-máquina (M2M). Sendo assim, a entidade faz coro às operadoras e, naturalmente, ao pedir por políticas que incentivem as teles a investir e que se dê “liberdade para elas criarem novas redes e serviços”. A proposta também ressalta (ainda que sem mencionar diretamente) que a neutralidade de rede não deve afetar a possibilidade de cobranças diferenciadas ao usuário. “Devemos poder expandir nossas redes e inovar com novas tecnologias e modelos de negócio para poder entregar a Internet globalmente de acordo com o crescimento contínuo e dramático da demanda por conectividade móvel”.
Dentre os princípios de governança, a proposta sugere também que o acesso à Web “continue a ser direcionado pelo mercado e suscetível às necessidades de usuários”. A representante do setor móvel também apoia a internacionalização da Internet e dos mecanismos de governança, incluindo o ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e o IANA (Internet Assigned Numbers Authority, entidade que coordena DNS, endereço de IP e outros protocolos).
Defendendo interesses
O discurso do SindiTelebrasil, sindicato que representa as operadoras móveis e fixas no País, está alinhado com o de demais entidades da indústria ao chamar a atenção para as redes móveis, especialmente em economias emergentes. Da mesma forma que a GSMA, a associação também sugere que as políticas de Internet possam encorajar as teles a “continuar a investir e dar a eles a liberdade de prover novas redes e serviços inovadores”. Trata-se de uma abordagem semelhante também à posição do setor em relação à neutralidade de rede no texto do Marco Civil.
“Competição e um ambiente regulatório de toque sutil são necessários para inovar no acesso e conectividade pelo investimento do setor privado e o roll-out da infraestrutura de rede pelo mundo”, diz a entidade, ao pedir regimes regulatórios previsíveis e sem incertezas. “A sustentabilidade da Internet também vai depender de achar um campo de atuação para todos os atores por toda a cadeia de valores da Internet”, diz o documento.
O discurso do SindiTelebrasil repete ainda o clamor pela necessidade de maior participação dos setores em uma evolução do modelo atual de governança, baseado em processos de decisão de cima para baixo e com acordos multilaterais entre governos, o que não seria ágil e flexível o suficiente para lidar com a Internet atual. Outra proposta alinhada a de outras entidades é a de que deve haver uma diferenciação entre níveis locais e globais ao se tratar de privacidade online.
A entidade especifica a necessidade de internacionalizar os agentes técnicos que administram a rede, mas não menciona o ICANN. “Por conta da natureza completamente modificada da Internet de hoje, com seu uso global e com a maioria dos usuários no mundo emergente, recursos-chave da Internet, especialmente a função do IANA, precisam ser globalizados”, diz o documento, que declara ainda que o Fórum de Governança de Internet (IGF) deveria ter laços fortalecidos com as IGFs regionais.
Representantes da Europa
Além das propostas usuais de princípios de governança, a Associação Europeia de Operadores de Rede de Telecomunicações (ETNO) pede que sejam levados em consideração os planos da Comissão Europeia de criar o Observatório Público Global da Internet (GIPO) que, segundo a entidade, “servirá como fonte valorosa de regulação/política de Internet, atores e tecnologia, e melhor permitir economias emergentes em particular a se envolver em assuntos de governança e políticas de Internet”.
A ETNO afirma que, apesar da supervisão do governo dos Estados Unidos nas funções da IANA estar funcionando até o momento, “a globalização da Internet deve ser refletida em mecanismos e instituições de governança apropriados”. Finalmente, a entidade encerra a proposta pedindo também que “nenhuma barreira nova ao crescimento da Internet como uma plataforma global para o desenvolvimento econômico e social seja introduzida como resultado das discussões no NetMundial”.
A Associação Europeia de Provedores de Serviço de Internet (EuroISPA) segue pelo mesmo caminho, mas adverte para que o evento foque em pontos específicos. A principal é a necessidade de se definir o entendimento comum do que é a governança de Internet. “Uma distinção clara precisa ser estabelecida entre assuntos fundamentais de governança e um conjunto mais abrangente de áreas que contenham a dimensão da Internet. A rede e os dados que ela carrega são, de fato, inteiramente separados ao nível de políticas (e devem ser tratados assim)”, declara a entidade. Além disso, a EuroISPA avisa que “a tecnologia pode ajudar a implantar soluções, mas regular a tecnologia por si não é a solução para desafios sociais e políticos”.