Tribunal Constitucional alemão declara ilegal guarda de dados de internautas
O Tribunal Constitucional (TC) alemão declarou ilegal ontem, dia 02 de março, o armazenamento de dados sobre conexões telefônicas e de internet. O tribunal supremo do país considerou incompatível com a lei fundamental obrigar as companhias telefônicas e de comunicações a armazenar durante seis meses todos os contatos telefônicos, e-mails e conexões com a rede mundial efetuados no país. Com essa decisão, o tribunal deu razão a mais de 35 mil denunciantes da lei, quase todos particulares, que haviam apresentado o maior recurso na história do TC alemão contra uma decisão do Legislativo.A lei de armazenamento de dados havia entrado em vigor em janeiro de 2008 e correspondia a uma diretriz europeia para o combate ao terrorismo de 2005. A lei anulada não garante, segundo a interpretação dos juízes, “a restrição de seu uso” por parte das autoridades. Sua formulação atual também permite uma intromissão na vida cotidiana dos alemães “com dimensões até agora desconhecidas pela legislação”. Os juízes também censuram o armazenamento indiscriminado de dados por provocar nos cidadãos “um sentimento ameaçador de ser observado”, que prejudica “a percepção de seus direitos fundamentais”. As companhias ficam obrigadas a apagar todos os dados armazenados até agora.
A legislação de telecomunicações havia incorporado ao ordenamento jurídico alemão uma diretriz europeia aprovada meses depois dos atentados terroristas de Madri e Londres. As companhias ficaram obrigadas a manter os dados de todas as conexões telefônicas de cada usuário durante seis meses, incluindo os números de telefone que participam de cada comunicação, assim como sua duração e seu horário. No caso de chamadas com telefone celular, as empresas mantinham o endereço da antena usada pelo telefone cada vez que alguém ligava, respondia ou enviava uma mensagem de texto. As medidas de controle foram ampliadas no ano passado para as comunicações via internet.
Com sua sentença, o tribunal alemão devolve a bola para a União Europeia. Os juízes consideram que o armazenamento de dados não é totalmente inviável na Alemanha. Não descartam uma nova adaptação da diretriz europeia, mas impõem condições estritas. Para que uma norma dessas características seja compatível com a lei fundamental alemã, o armazenamento de dados deve ficar sujeito a supervisão e o usuário deve ser informado sobre que dados ficam registrados. Além disso, deve-se evitar que as autoridades tenham acesso ao arquivo completo de informação guardada. Segundo os juízes, a lei atual sofre de falta de transparência e não preserva os cidadãos do abuso de seus dados pessoais.
A ministra da Justiça alemã, a liberal Sabine Leutheusser-Schnarrenberger (FDP), comemorou a sentença afirmando que a terça-feira foi “um dia extraordinário” para os direitos fundamentais e para a proteção de dados. Seu partido estava na oposição quando a lei foi aprovada, e foi contrário a ela desde o início. O ministro do Interior, Thomas de Maizière, da União Democrata Cristã (CDU), de Angela Merkel, se pronunciou a favor de redigir uma nova lei de armazenamento que cumpra os requisitos impostos pelos juízes. A própria chanceler alertou sobre o “vazio” que os dados apagados a partir de terça-feira deixarão nas investigações criminais. Os analistas políticos já veem uma nova causa de discórdia entre democrata-cristãos e liberais, cuja coalizão sofreu diversas tensões depois de apenas quatro meses de governo.
Além disso, as empresas de telecomunicações falam em reclamar do governo indenizações milionárias pelos gastos que a lei recém-abolida lhes causou. Os empresários de internet e comunicações afirmam que a norma ultrapassada custou 300 milhões de euros ao setor e temem que as condições mais estritas de uma futura lei encareçam ainda mais o armazenamento de dados.
Os grupos de direitos civis que moveram a ação se declararam satisfeitos, mas anunciaram novos esforços para que o combate ao armazenamento de dados se estenda para toda a Europa. Na Inglaterra a lei obriga a armazenar os dados dos usuários durante 24 meses e na Espanha, por 12 meses.